Jamaica: um desabafo e um manifesto contra a colonização
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A escrita de Jamaica Kincaid é um desabafo e um manifesto contra a colonização

Jamaica Kincaid, A autobiografia da minha mãe Share this post
       Ana Souza

“A autobiografia da minha mãe” de Jamaica Kincaid traz temáticas que conversam com toda e qualquer experiência humana. A autora caribenha, ainda não suficientemente reconhecida no Brasil, explora reflexões sobre a vida e não vidas, como a de uma mãe que morre no parto e tem sua maternidade ceifada. 

Apesar do nome, o livro não se trata de uma autobiografia, mas sim de um exame atento de uma vida anterior à da protagonista. Em uma linguagem vívida que deixa a narrativa extremamente real, as memórias do passado, em certos momentos, parecem acontecer no presente. 

O livro é narrado em primeira pessoa por sua protagonista, Xuela Claudette — sua identidade não é revelada logo de cara, apenas algumas páginas após o início da narrativa. A personagem percorre e rememora a sua própria história quando já está com mais de 70 anos e decide revisitar os caminhos que a levaram até aquele ponto.

Poderoso, perturbador e emocionante, “A autobiografia da minha mãe” de Jamaica Kincaid conta a história dessa jovem, filha de mãe caribenha e pai meio escocês e meio africano, moradora da ilha de Dominica — um lugar ainda duramente marcado pelas sequelas do colonialismo. Sua mãe morre no parto, e a garota então precisa encontrar seu lugar no mundo sem o auxílio materno.

Já nas primeiras páginas do livro, vimos que o início da vida de Xuela é duramente atravessado por essa tragédia. Além da perda materna, ela é atormentada pela solidão e falta de afeto. A personagem se apresenta como uma pessoa que, desde a infância, está em busca da sua identidade enquanto mulher negra em um país ainda dominado pela influência colonial. 

Dessa forma, Xuela cresce num ambiente que tenta negar e marginalizar tudo o que ela era e sempre seria: mulher e negra. Porém, o caminho que a personagem escolhe para trilhar não é o da resignação, mas o da resistência individual. Xuela luta por si mesma: gosta de cada traço do seu rosto, dos odores fortes e suaves que seu corpo exala e de usar a sua sexualidade como um meio para ser mais poderosa do que os homens com os quais se relaciona. 

“Jamaica Kincaid nos brinda com uma reflexão assombrosa sobre a vida, escrita com a prosa mais bonita que podemos encontrar na literatura contemporânea.” The New York Times

Apesar de todas as tristezas e tragédias narradas pela protagonista, causadas principalmente por heranças colonialistas em si e no seu país, Xuela parece ter controle sobre as rédeas da sua vida. Sua história se confunde com a da sua autora, Jamaica Kincaid. 

       Ilustração: Gabriela Píres

A mãe da escritora deu à luz a três filhos em um curto período de tempo, o que mudou drasticamente a relação familiar entre as duas. Mais à frente, quando Jamaica tinha entre 16 a 17 anos, sua mãe lhe mandou para que trabalhasse como babá nos EUA. Teoricamente, a escritora deveria enviar parte do seu salário para ajudar sua família, mas ela nunca fez isso e tampouco respondeu às cartas da sua mãe. 

Em 1973, Jamaica Kincaid mudou de nome — seu antigo nome de batismo era Elaine Richardson. Apesar dos motivos para essa troca ainda serem nebulosos, o boato que soa mais verdadeiro é que Jamaica fez essa mudança para que pudesse escrever sem que as pessoas do seu país soubessem das suas produções. Atualmente, a autora caribenha é professora de Estudos Africanos e Afro-americanos da Universidade Harvard

“A autobiografia da minha mãe” é ganhador do prêmio Anisfield-Wolf Book Award de 1997. Nele, através de sua protagonista, Xuela, Jamaica expõe ao mundo o poder da sua literatura e constrói um manifesto contra as forças colonizadoras que são guiadas por discursos brancos e masculinos.

Para conhecer a edição de “A autobiografia da minha mãe” (em capa dura!) que faz parte da Trilha Vozes Negras — junto a outros seis grandes livros da literatura nacional e internacional, acesse aqui. Vamos enegrecer as nossas bibliotecas?

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