Neste ano, o 20 de novembro tem uma importância histórica ainda mais especial. Pela primeira vez, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra é reconhecido como feriado em todo o Brasil. Proposta pelo Grupo Palmares em 1971 e oficializada em 2011 pelo governo federal, a data, até então, era feriado em apenas um terço das cidades brasileiras. Este marco reforça o compromisso com a valorização da luta antirracista e a memória da resistência negra, lembrando o papel fundamental da população negra na formação e desenvolvimento do Brasil.
“Devemos aprender com a história do feminismo negro, que nos ensina a importância de nomear as opressões, já que não podemos combater o que não tem nome. Dessa forma, reconhecer o racismo é a melhor forma de combatê-lo.”
Djamila Ribeiro
Confira nossa seleção especial com livros de ficção, não ficção e literatura infantil para cultivar o pensamento, o olhar e a sensibilidade antirracista em todos os meses do ano. Depois, leia uma breve história sobre as origens dessa data.
FICÇÃO
No último verão da State Street, Toya Wolfe
Ambientado nos conjuntos habitacionais de Chicago durante os anos 1990, este livro captura a essência da vida em uma comunidade periférica marcada pela luta e pela resistência. Com sua prosa lírica e sensível, Toya Wolfe conta uma história poderosa sobre a força da amizade e da resiliência e ilumina questões sociais complexas e universais.
Enviado aos associados da TAG Inéditos em agosto de 2024.
O beijo do rio, Stefano Volp
Neste eletrizante thriller psicológico, um jornalista negro e bissexual precisa voltar à sua conservadora cidade natal no litoral do Rio de Janeiro depois de dez anos longe. Sua missão é dura. Ele vai investigar a morte de seu melhor amigo de infância, filho do homem mais poderoso da cidade – um grande líder religioso, respeitado por todos e presente nas memórias mais traumáticas do protagonista. Assim, Daniel é levado a trazer de volta à superfície dores profundas que passou os últimos anos tentando ignorar.
Enviado aos associados da TAG Inéditos em abril de 2022.
Mama, Terry McMillan
Um mergulho profundo na vida de uma mulher negra, mãe de cinco filhos, que, na década de 1960, faz o possível e o impossível para garantir a sobrevivência de sua família em um país ainda abalado pela segregação racial. Publicado em 1987, este é o primeiro romance da autora norte-americana Terry McMillan.
Enviado aos associados da TAG Curadoria em janeiro de 2023.
Clara da luz do mar, Edwige Danticat
No dia do aniversário de sete anos de Claire, seu pai decide entregá-la para uma vendedora de tecidos para que ela dê à menina uma vida melhor. Pouco a pouco, somos apresentados a outros moradores do vilarejo, e um mundo de lembranças que deveriam permanecer enterrados vem à tona. Como num tecido, as vidas da história se entrelaçam, revelando algo da tragédia de todos eles, mas também momentos de força e esperança.
Enviado aos associados da TAG Curadoria em novembro de 2021.
Pesado, Kiese Laymon
Uma autobiografia visceral que desvela as complexidades da formação da identidade em meio ao racismo e às relações familiares. Narrando sua trajetória como um jovem negro no sul dos EUA, Laymon explora a dor, o amor e a luta por aceitação em um mundo que frequentemente rejeita sua existência. Com uma prosa lírica, brutalmente honesta e muitas vezes cômica, ele transforma sua vulnerabilidade em força, oferecendo uma reflexão profunda sobre peso, liberdade e redenção.
Enviado aos associados da TAG Curadoria em janeiro de 2022.
NÃO FICÇÃO
Pequeno manual antirracista, Djamila Ribeiro
Vencedor do Jabuti, este é um livro precioso para começar a pensar questões enraizadas na sociedade e em nós mesmos: racismo, branquitude, colonialismo. Em 11 lições diretas e esclarecedoras, a autora convida a uma reflexão sobre privilégios desiguais, oferecendo ferramentas práticas para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. Um chamado urgente à ação antirracista, possível nas atitudes mais cotidianas, uma luta de todas e todos.
O pacto da branquitude, Cida Bento
A cofundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) desvela como o racismo opera de forma silenciosa e estruturada por meio dos privilégios da branquitude. Analisando as dinâmicas sociais, históricas e institucionais que perpetuam desigualdades, a autora expõe os acordos implícitos que sustentam o poder branco. Com reflexões provocativas e exemplos contundentes, o livro desafia leitores a reconhecerem seu papel na perpetuação e na transformação das estruturas sociais.
Medo da consciência negra, Lewis R. Gordon
Para o filósofo e pensador político Lewis R. Gordon, a consciência negra, com inicial minúscula, distingue-se da consciência Negra, com maiúscula. A primeira se limita à percepção, por parte de pessoas negras, de que são discriminadas e oprimidas, e é basicamente passiva. Já a consciência Negra é ativa: apela para uma ação que combata e supere os fundamentos do racismo estrutural. Combinando filosofia, história e política, o autor analisa como o medo da emancipação negra molda sociedades e perpetua desigualdades.
Crítica da razão negra, Achille Mbembe
De todos os humanos, o negro é o único cuja carne foi convertida em mercadoria. Aliás, negro e raça têm sido sinônimos no imaginário das sociedades europeias. Desde o século XVIII, constituíram ambos o subsolo inconfesso e muitas vezes negado a partir do qual se difundiu o projeto moderno de conhecimento – e também de governo. Neste ensaio ao mesmo tempo erudito e iconoclasta, Achille Mbembe empreende uma reflexão crítica indispensável para responder à principal questão sobre o mundo contemporâneo: como pensar a diferença e a vida, o semelhante e o dessemelhante?
Pele negra, máscaras brancas, Frantz Fanon
Um dos textos mais influentes dos movimentos de luta antirracista desde sua publicação, em 1952. Logo de início, se apresenta como uma interpretação psicanalítica da questão negra, tendo como motivação explícita desalienar pessoas negras do complexo de inferioridade que a sociedade branca lhes incute desde a infância. Clássico fundamental, é um livro que está na base do pensamento sobre o racismo, mergulhando nas categorias mais abrangentes para pensar o que o formou e o que o sustenta.
LITERATURA INFANTIL
Amoras, Emicida
Na música “Amoras”, Emicida canta: “Que a doçura das frutinhas sabor acalanto/ Fez a criança sozinha alcançar a conclusão/ Papai que bom, porque eu sou pretinha também”. E é a partir desse rap que um dos artistas brasileiros mais influentes da atualidade cria seu primeiro livro infantil. Ele mostra, através de seu texto e das ilustrações de Aldo Fabrini, a importância de nos reconhecermos no mundo e nos orgulharmos de quem somos — desde crianças e para sempre.
Meu crespo é de rainha, bell hooks
Publicado originalmente em 1999 em forma de poema rimado e ilustrado, esta delicada obra apresenta às meninas diferentes penteados e cortes de cabelo de forma positiva, alegre e elogiosa. Um livro para ser lido em voz alta, indicado para crianças e adultos se orgulharem de quem são e de seu cabelo “macio como algodão” e “gostoso de brincar”. Em rimas lindas e boas de ler, uma celebração do orgulho de ser negro, pela história e pela beleza do povo.
O pequeno príncipe preto, Rodrigo França
Em um minúsculo planeta, vive o Pequeno Príncipe Preto. Além dele, existe apenas uma árvore Baobá, sua única companheira. Quando chegam as ventanias, o menino viaja por diferentes planetas, espalhando o amor e a empatia. O texto é originalmente uma peça infantil que já rodou o país inteiro. Agora, Rodrigo França traz essa delicada história no formato de conto, presenteando o jovem leitor com uma narrativa que fala da importância de valorizarmos quem somos e de onde viemos – além de nos mostrar a força de termos laços de carinho e afeto.
Zumbi, assombra quem?, Allan da Rosa
Dúvidas sobre seu corpo e sua história borbulham na cabeça de um menino que mergulha nos detalhes da africanidade que leva nos poros, cabelos e passos. O caminho do aprendizado de Candê sobre as lutas, brinquedos e mistérios de ancestrais quilombolas, descobrindo aventuras antigas que se misturam ao cotidiano de casa e da escola, e à liberdade da rua, entre pipas soltas e esquinas respingadas de sangue. Pelos seus olhos de menino surgem os mistérios, alegrias e medos de Zumbi ao lidar com perguntas que desafiam seu povo há séculos.
Chupim, Itamar Vieira Junior
Antes de o galo anunciar o início de um novo dia, o pai chama para o despertar. Primeiro livro para as infâncias de Itamar Vieira Junior, em coautoria com a artista plástica Manuela Navas, Chupim nos presenteia com uma prosa marcada pelo lirismo e pela crítica social. Entre realidade e sonho, o autor de Torto arado sobrevoa a vida do trabalho no campo, contrapondo as perspectivas infantil e adulta sobre o mesmo universo.
As origens do Dia da Consciência Negra
Em 1971, um coletivo de jovens negros que formava o Grupo Palmares se reuniu em Porto Alegre e questionou a escolha do dia 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea, como símbolo de celebração para a população negra. No lugar, propuseram que o 20 de novembro, dia da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, fosse a nova referência para conscientização sobre o protagonismo de ex-escravizados na resistência política e a afirmação da memória cultural afro-brasileira. Esse movimento semeou um dos marcos fundamentais dos movimentos negros e deu origem ao Dia da Consciência Negra.
A data homenageia a figura de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo da América Latina no período colonial. Situado na Serra da Barriga, no atual estado de Alagoas, o quilombo chegou a ter uma população de 20 mil habitantes – maior do que a maioria das cidades brasileiras naquela época. O porte do Quilombo de Palmares era preocupante para o sistema escravocrata, o que levou a uma ofensiva violenta contra o território no final do século 17. Durante esse conflito, ele tornou-se o principal líder do quilombo durante mais de 15 anos. Depois de ser capturado e preso, Zumbi foi degolado e teve sua cabeça exposta na Praça do Carmo, em 20 de novembro de 1695.