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Entrevista: Adriana Lisboa, tradutora de “Existo, existo, existo”

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Adriana Lisboa é escritora e tradutora. Carioca, mora atualmente em Austin, no estado norte-americano do Texas. Mestre em literatura brasileira e doutora em literatura comparada pela Uerj, já trabalhou como cantora de MPB e professora de música.

Traduzida em mais de vinte países, ela recebeu o Prêmio José Saramago pelo romance Sinfonia em branco (2001) e apareceu na lista dos melhores livros do ano do jornal britânico The Independent, com a obra Azul corvo (2010). Além de seis romances, Adriana escreveu livros de poesia, livros infanto-juvenis e teve contos publicados em veículos como Modern Poetry in Translation e Granta.

Como tradutora, constam na sua bagagem literária traduções de Emily Brontë, Cormac McCarthy, Margaret Atwood, Maurice Blanchot e Maggie O’Farrell – esta última, autora de Existo, existo, existo, enviado em novembro pelo clube Inéditos. Leia uma entrevista feita especialmente para o blog da TAG com Adriana Lisboa.

TAG – O que você mais gostou em Existo, existo, existo e na escrita de Maggie O’Farrell?

Adriana Lisboa – Maggie O’Farrell consegue duas grandes proezas neste livro. Uma delas é manter a tensão entre a emoção e o comedimento. O texto nunca é banal, nunca trivializa o drama que está sendo relatado, mas ao mesmo tempo nunca deixa que resvale para o melodrama, nunca transborda. A outra façanha é tocar aquilo que é universal, que diz respeito a todos nós, na narrativa de eventos e sentimentos muito pessoais. Nesse sentido, é um livro extremamente generoso. O próprio umbigo é uma armadilha em que caem muitos escritores de resto talentosos, que ao falar de si parecem estar realmente só querendo falar de si (e ao falar do outro também só falam de si). O’Farrell faz o exato oposto. Ao falar de si, ela estende a mão.

Como foi o processo de tradução do livro? Quais os principais obstáculos encontrados?

Adriana – Foi uma tradução muito prazerosa, porque o livro é, digamos, uma boa companhia. Às vezes, dependendo do trabalho de tradução, eu me sento diante da tela com uma certa relutância; no caso de Existo, existo, existo foi o contrário. O principal desafio foi justamente transpor ao português o equilíbrio, a sobriedade mas a enorme densidade emocional (elegante, comedida) do texto.

“Respirei fundo e escutei a velha fanfarronice do meu coração. Existo, existo, existo.” Como se deu a escolha de palavras para traduzir a frase mais célebre de A redoma de vidro, de Sylvia Plath? O que você achou da referência utilizada por Maggie O’Farrell?

Adriana – A referência é perfeita, pois o livro trata justamente dessa insistência (às vezes quase prosaica) da vida diante da morte. O original em inglês é “I took a deep breath and listened to the old brag of my heart. I am, I am, I am.” As dificuldades aqui estão nesse “old brag” e no “I am, I am, I am” que Maggie O’Farrell usa no título. No primeiro caso, “brag” é jactância, fanfarronice, algo que o coração diz para se gabar (de estar vivo). “I am, I am, I am” é o coração literalmente dizendo que está ali, que existe, através de suas batidas. Recordo que o verbo “to be” em inglês significa tanto “ser” quanto “estar”. A tradução também deveria servir para título do livro, por isso optamos por “Existo, existo, existo.”

No título original, o livro do mês se chama I am, I am, I am – 17 brushes with death. Por você escolheu traduzir o título para Existo, existo, existo – 17 tropeços na morte?

Adriana – O título foi escolhido numa conversa com os editores. Pensamos em algumas opções, mas “tropeços” pareceu mais fiel à ideia do acaso, a esse “passar de raspão” por alguma coisa. Pensamos em “esbarrões” também, mas um esbarrão ou um encontrão é mais violento do que um mero “brush”.

Quando e por você decidiu começar a trabalhar como tradutora? Você acha que a publicação do seu primeiro livro, Os fios da memória (1999), e o seu reconhecimento como escritora facilitaram sua entrada no mercado da tradução?

Adriana – Comecei a trabalhar como tradutora há dezoito anos. Estava tentando me viabilizar financeiramente na área literária, tinha acabado de publicar meu primeiro romance e estava também começando o mestrado em literatura na Uerj, depois de uma graduação em música. Tinha feito o curso mais célebre de tradução à época, com o finado Daniel Brilhante de Brito, no Rio. Acho que a minha entrada no mercado teve três “facilitadores” – o fato de eu ser uma escritora já publicada, de estar fazendo mestrado em literatura e de ter um diploma do “Curso do Daniel”, que ademais escreveu uma carta de recomendação muito generosa. Daí por diante, foi arregaçar as mangas e trabalhar.

Você traduziu desde O morro dos ventos uivantes, da inglesa Emily Brontë (1847), até Uma voz vinda de outro lugar (1992), do francês Maurice Blanchot. Durante a sua carreira como tradutora, quais foram os livros que você teve mais dificuldade para traduzir? Por quê?

Adriana – O morro dos ventos uivantes e Jane Eyre (este de outra irmã Brontë, a Charlotte) ofereceram, sem dúvida, desafios. São histórias passadas e narradas no século dezenove. O mais difícil, penso, é encontrar uma espécie de “neutralidade” de tom que não transforme o texto numa tentativa de reproduzir a linguagem da época (isso poderia soar quase burlesco) nem deixar marcas óbvias da linguagem de hoje. Ou seja, é quase como se a tradução tivesse que encontrar uma espécie de tempo artificial. Por outros motivos (sobretudo pela sofisticação do seu pensamento), Blanchot também foi desafiador. E a tradução de poesia, mesmo de um idioma irmão como o espanhol, a que venho me dedicando bastante, sempre é cheia de armadilhas.

Você acha que a sua rotina como tradutora é complementar à de escritora? O que você mais gosta em relação às duas atividades?

Adriana – As duas atividades podem ser complementares, se eu conseguir administrar bem o meu tempo (nem sempre consigo). Traduzir é uma forma de ler minuciosamente, e nesse sentido é quase como fazer uma espécie de oficina de criação com o autor. Por isso tenho me dedicado tanto, por conta própria e sem necessariamente ser paga, à tradução de poesia. O que a gente aprende traduzindo um Octavio Paz, um Lezama Lima ou um Saint-John Perse não é brincadeira.

Atualmente, quem são seus escritores e tradutores preferidos? Em relação à inspiração, quais nomes influenciam na sua escrita?

Adriana – Acho que as duas perguntas podem ter uma mesma resposta! Voltei recentemente à obra de Octavio Paz, que é um gigante, e que nunca deixa de me impressionar. Guimarães Rosa é meu “autor de cabeceira,” sempre, e aqui cito seu tradutor ao alemão, Curt Meyer-Clason (falecido em 2012) e a atual tradutora ao inglês de Grande sertão, Alison Entrekin, como dois nomes essenciais. Rubens Figueiredo é um dos meus autores (e tradutores) preferidos no Brasil. Alguns outros nomes que preciso citar, um pouco desordenadamente, diante dessa pergunta sempre difícil: Manuel Bandeira, Emily Dickinson, Kazuo Ishiguro, Alice Munro, Mariana Ianelli, Antonio Cícero, Rita Dove, Ana Luisa Amaral (outra magnifica tradutora, aliás, que trabalha com sonetos de Shakespeare, coisa de gente grande).

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1 comment

  • Conheci Adriana Lisboa em “Os fios da memória”. Gostei demais! É aquela autora que, quando cita uma referência, você quer ir atrás.

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