A TAG Curadoria enviou, em novembro, o livro “Nada”, de Carmen Laforet. Escrito em 1944 e vencedor da primeira edição do prêmio Nadal, é considerado uma das obras espanholas mais importantes do século XX. A história é narrada por Andrea, uma jovem órfã que se muda para a casa da avó em Barcelona para iniciar um curso de letras na universidade local. Mas o cenário que encontra, logo depois da Guerra Civil Espanhola, é desolador. A obra foi indicada ao clube por Alice Sant’Anna, poeta e editora carioca que nos concedeu entrevista exclusiva sobre a escolha de Nada:
TAG – Nada foi publicado quando Carmen tinha apenas 23 anos. Na sociedade espanhola da época, as mulheres tinham pouco espaço para exprimirem suas opiniões e, em função disso, a autora é considerada precursora da produção literária do país dos anos 1940. Pensando no contexto brasileiro contemporâneo, quais são os principais desafios de ser uma jovem escritora?
Alice Sant’Anna – Felizmente a situação mudou bastante de 1940 para cá. Hoje, para uma mulher, é bem mais simples encontrar espaço para publicar do que na época em que Carmen Laforet, muito precocemente, lançou seu primeiro livro. Se olharmos especificamente para a poesia contemporânea brasileira, há muitas jovens mulheres escrevendo e publicando, e isso é motivo para comemorar. No entanto, há outros pontos que merecem atenção. Com frequência, a crítica espera determinadas posturas e temas abordados por escritoras mulheres, como se as mulheres só pudessem falar sobre um leque de assuntos bem limitado. É como se o homem, nessa chave, tivesse uma experiência universal e ficasse livre para escrever sobre o que bem entendesse, uma vez que todos os leitores poderiam compreender e se envolver. Já um livro escrito por uma mulher seria algo mais específico, restrito, de nicho. Ninguém fala sobre “literatura de homem”, mas “literatura de mulher” é um tema que até hoje é discutido. Nesse ponto, ainda temos um longo caminho pela frente.
Anos após a primeira publicação de Nada, alguns críticos literários o classificaram como o “emblema do mal-estar da geração do silêncio”. Seu último livro, Pé do ouvido, traz no título a ideia de uma palavra sussurrada, quase dita. De que forma você acredita que o romance de Carmen Laforet dialoga com sua produção poética?
Alice – O que mais gosto no romance Nada é o estilo sem floreios. A carga emocional do livro é muito intensa, com uma atmosfera pesada e sombria, e a escrita, no entanto, é seca, direta, objetiva. A autora, assim, transmite as sensações da protagonista, naquele turbilhão de novidades relacionadas à sua chegada em uma cidade nova, sem deixar de lado a dicção cristalina.
“A adequação deve ser um dos principais antônimos da poesia. Se estiver 100% adaptado, adequado, confortável, sobre o que um poeta vai escrever?”
No mês de novembro, produzimos um mimo excepcional: você foi convidada a organizar uma coletânea de poemas inédita, Rua Aribau. As autoras, por sua vez, escolheram os poemas conforme cinco temáticas – adaptação, viagem, decadência, solidão, inadequação. Por que você selecionou estes eixos na hora de pensar na composição da coletânea?
Alice – Muitas antologias poderiam surgir a partir de Nada: poemas sobre mudança, sobre família, sobre guerra, sobre a Espanha, sobre Barcelona, sobre casa etc. Neste nosso recorte, procuramos linhas gerais do livro de Carmen Laforet que frequentemente dão pano para manga na poesia. Inadequação e adaptação são temas que estão no cerne de boa parte dos poemas. A adequação, pensando bem, deve ser um dos principais antônimos da poesia. Se estiver 100% adaptado, adequado, confortável, sobre o que um poeta vai escrever?
Recentemente, você editou a obra poética de Hilda Hilst, autora homenageada na edição da Flip deste ano. De que modo a atuação como editora de poesia na Companhia das Letras se relaciona com a Alice poeta, autora?
Alice – Para mim é uma grande alegria e uma verdadeira escola trabalhar com poesia. É uma sorte editar escritores que admiro tanto enquanto leitora.
O que você diria aos mais de 28 mil leitores do clube que irão ler Nada pela primeira vez?
Alice – Há muitas escritoras mulheres excelentes que não receberam a devida atenção ou que, com o tempo, foram esquecidas. A Carmen Laforet é uma dessas autoras apaixonantes que merecem ser lidas.