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Entrevista: Ben Lerner, autor de “Estação Atocha”

Ben Lerner | Foto: John D. & Catherine T. - MacArthur Foundation Share this post

“Há um idealismo sob a ironia de Adam”

Poeta, romancista e escritor que pensa sobre o fazer poético. Ben Lerner transferiu um tanto de si para o Adam Gordon, protagonista que os associados da TAG Curadoria conheceram em Estação Atocha. Nesta entrevista à TAG, Lerner fala um pouco da relação dele com a personagem e sobre como se considera, antes de tudo, poeta, além de revelar aos curiosos qual foi a sua “experiência artística profunda” maior.

TAG — Conte-nos um pouco sobre sua formação como escritor – como você alcançou sucesso tanto como poeta quanto como romancista?

Ben Lerner — A poesia sempre foi o centro para mim e todos os meus três romances são, de certa forma, veículos para se pensar a poesia – e para dramatizar encontros com poemas. É certo que minha formação (ou malformação!) é mais de poeta do que de prosista no sentido de que meus heróis e professores eram prima – riamente poetas – aprendi a escrever sob as pressões da poesia, onde cada partícula de linguagem tem signifi – cado. Uma das coisas que amo em romances é como eles podem absorver outros gêneros, como podem assimilar poemas, imagens, canções, o que seja. Romances podem ser trabalhos elaborados de curadoria, por esse ângulo. Romances se tornaram laboratórios para mim, nos quais podia testar ideias sobre poemas e outros tipos de arte.

Muito se fala sobre como a vida de Adam é similar à sua. Quanto de você há nele, afinal?

Tenho muito em comum com essa personagem de Adam Gordon. O jovem Adam Gordon é como uma versão das minhas ansiedades sobre arte e autenticidade. E eu vivi na Espanha na mesma época em que ele viveu na Espanha. Nós vivemos, inclusive, no mesmo apartamento. Mas eu estava lá escrevendo meu segundo livro de poemas e vivendo com a mulher que viria a ser minha esposa. Certamente as experiências de desorientação de Adam na Espanha são biográficas. Mas seus relacionamentos particulares e suas mentiras são todas inventadas.

A cidade de Madri é personagem muito presente na história. Por que escolhê-la como cenário e como foi seu procedimento de pesquisa sobre ela?

Como vivi em Madri naquela época, já conhecia aquelas vizinhanças e alguma textura da experiência de Adam. Mas o livro também se interessa em capturar um tipo de deslocamento – como Adam lê a respeito das explosões em Atocha no website do New York Times antes de perceber o que está acontecendo ao redor dele, por exemplo. O livro pretende capturar um lugar de forma vívida, mas também quer capturar o deslocamento de forma vívida.

Lemos muito a respeito das leituras de Adam – García Lorca, Ashbery etc. Elas refletem seu gosto pessoal? Quais autores inspiram você e… algum favorito latino-americano?

Com certeza Ashbery é um escritor central para mim e para Adam Gordon. Esse romance não existiria sem Ashbery. Muitos livros que amo estão presentes ou são citados indiretamente no romance, mas é claro que meus gostos e compromissos estão sempre mudando (e, espero, se aprofundando). Penso que, lentamente, entendi o quão importante Virginia Woolf é para minha compreensão de romance. Alguns dos primeiros romances que amei são de Machado de Assis. Sebald certamente reviveu meu entendimento daquilo que o romance pode fazer. Acabo de ler um romance tremendo de Fernanda Melchor, para escolher um exemplo latino-americano apenas.

Como você construiu as personagens de Isabel e Teresa? Ao narrar no presente e em primeira pessoa, o leitor sabe a mesma coisa que o narrador, razão pela qual queríamos saber de você.

Uma vez que Adam é tão autoconsciente – desesperado para manipular como os outros o percebem – nunca podemos enxergar as personagens completamente para além de seu jogo de projeções. Ele interpreta Isabel e Teresa de forma crucialmente errada: ele pensa que Isabel está profundamente apaixonada por ele, mas fica desarvorado quando ela não está; ele tem problemas em calibrar a natureza do interesse de Teresa nele e em sua escrita. Mas, depois, encontramos flashes muito diretos da experiência delas, mesmo que filtrados pelo espanhol precário de Adam: digo quando Teresa fala da morte do pai, ou no início do livro, quando Isabel fala do irmão dela. É esse jogo de imprecisão e vividez que eu procurava: a fumaça e os espelhos das mentiras de Adam e esses flashes de particularidade.

“O jovem Adam Gordon é como uma versão das minhas ansiedades sobre arte e autenticidade.”

Sua mãe é uma importante psicóloga feminista e autora best-seller de livros sobre relacionamentos. Qual a influência dela sobre seus relacionamentos?

A influência dela é inestimável tanto por ser escritora quanto por ser uma das minhas leitoras mais importantes, mas também porque sua maneira de enxergar relacionamentos influencia meu pensamento do romance como forma – para entender como ele pode retratar padrões familiares, por exemplo. Isso fica mais claro em meu romance mais recente, The Topeka school.

A linguagem e a comunicação são assuntos muito explorados em Estação Atocha, mas pode-se dizer que o maior triunfo do livro é resumir o idioma e o sentimento de pertencimento como barreiras para a experiência do (jovem e rico) Adam na Espanha. O que você pensava a respeito dele em 2011 e o quanto isso mudou quase 10 anos depois?

Adam Gordon pensa em si como uma fraude, e alguns leitores concordam. Mas acho que ele é tão cruamente honesto a respeito de sua própria fraudulência que chega a certo grau de autenticidade. Há um idealismo sob a ironia dele. Meus romances desde Estação Atocha foram uma tentativa de mostrar uma evolução da ironia autoabsorta do primeiro livro para um sentido maior de possibilidade social. E esse projeto coexistiu com uma pulsão de emergência social cada vez maior, dada a guinada em direção à regressão fascista ocorrida nos últimos dez anos.

Seu livro mais recente, The Topeka school, foi elogiado pela crítica e considerado por muitos seu melhor trabalho até o momento. Quando você decidiu continuar escrevendo a respeito de Adam Gordon?

The Topeka school é tanto o último tomo de uma trilogia quanto um prelúdio – acontece tanto antes de Estação Atocha (por retratar sua infância, seus pais) quanto depois (por ser escrito no presente por um Adam mais velho, agora pai). De certo modo, o novo romance é o inconsciente dos dois outros livros – mostrando algo do histórico familiar e das experiências que levaram Adam à poesia e à ansiedade sobre o relacionamento entre linguagem e autenticidade. Eu gostei da ideia de colocar Adam Gordon – que flutuava pela Espanha – em um contexto intergeracional maior. E também para indicar como ele pode ter evoluído da alienação a uma integração maior em certos assuntos.

Qual foi sua “profunda experiência artística” maior?

Provavelmente encontrar John Ashbery pela primeira vez. Adam e eu compartilhamos isso como uma profunda e formativa experiência artística. Mas há outras.

O que você gostaria de dizer para os mais de 28 mil leitores no Brasil que receberão seu livro?

Obrigado por ler meu livro estranho. Fazer arte é como mandar uma mensagem na garrafa. Você nunca tem certeza de que alguém vai recebê-la. É animador imaginá-la sendo encontrada por tantas pessoas no Brasil…

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