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Entrevista: Conceição Evaristo e “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”

Conceição Evaristo Share this post

O kit TAG Curadoria enviou, em setembro, o livro Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, de Maya Angelou. A obra foi escolhida pela curadora Conceição Evaristo, escritora que é uma das vozes mais importantes da literatura brasileira da atualidade, com traduções para inglês e francês, além de prêmios e palestras ao redor do Brasil.

Em entrevista à TAG, ela comenta a escolha e compartilha detalhes de sua trajetória como autora.

TAG – Seu primeiro livro, Becos da memória, ficou guardado cerca de vinte anos e só foi publicado em 2006. Como você enxerga as dificuldades e mudanças do cenário editorial em relação à publicação de autoras negras?

Conceição Evaristo – Posso considerar que houve poucas mudanças, pois se observamos o mercado editoral de ponta, isto é, nas grandes editoras, não se encontram publicações de escritoras negras brasileiras, com raríssimas exceções. As nossas publicações ainda acontecem em editoras de médio porte, como a Pallas, que já publicou 3 obras minhas, e notadamente nas editoras voltadas para as publicações de autoria negra, como a Mazza Edições, a Nandyala, a Malê, a Ogum Toques, dentre outras que vão se organizando com esse objetivo.

TAG – Desde 1995, você vem trabalhando com o conceito de sua autoria “escrevivência”, que faz um jogo com as palavras “escrever, viver, se ver”. O que o termo significa e como ele poderia ser usado para analisar a obra de Maya Angelou?

Conceição Evaristo – Sem dúvida alguma, o conceito de “escrevivência” pode ser usado para analisar, para ler, para compreender a obra de Maya Angelou. Foi de suas experiências pessoais e do coletivo que a autora construiu a matéria de sua escrita. O movimento que se dá justamente depois de um profundo mergulho interior em seus momentos de análise, em que o seu analista a aconselha a escrever as suas memórias de infância e juventude.

TAG – Contrariamente a muitos outros escritores consagrados brasileiros, você costuma dizer que não nasceu rodeada de livros, mas de palavras. De que maneira esta literatura oral influenciou no seu estilo narrativo?

Conceição Evaristo – Tenho afirmado que a minha vivência, desde pequena, sob os efeitos da oralidade, me deu a capacidade da escuta, aprimorando meus ouvidos não só para os significados das palavras, mas também para a sonância das mesmas. Capto, na escuta, a musicalidade da frase. E tento então levar para o texto escrito a dinâmica da oralidade. O ritmo, as repetições, os gestos, as expressões que dominam o corpo no exercício do narrar, que assiste intensamente na minha infância e juventude, me fazem desejar e buscar modos de traduzir na escrita, a estética da oralidade, mesmo sabendo que é impossível tal façanha.

TAG – Em Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, uma frase importante do livro ressoa no seu percurso de escritora: “O fato de que a mulher Negra americana adulta surge como um personagem formidável costuma ser visto com surpresa, aversão e até beligerância. Raramente é aceito como resultado inevitável da luta vencida por sobreviventes que merece respeito, se não aceitação entusiasmada”. De que forma a força do coletivo e do movimento negro influenciaram sua trajetória?

Conceição Evaristo – Do coletivo retiro a força e a certeza de que não estou sozinha. O discurso do Movimento Negro e do Movimento de Mulheres Negras tem me orientado, me ensinado a refletir sob a condição do negro, e especialmente da mulher negra na sociedade brasileira. E mais do que isso, o MN foi o primeiro lugar de recepção de minha obra. Foi a militância negra de mulheres e homens que leu primeiro a minha escrita e que foi difundindo os meus textos em sala de aula, em pesquisa acadêmica, etc. A minha primeira publicação foi na série Cadernos Negros, uma edição anual que já perdura há 41 anos, sob a coordenação do coletivo Quilombhoje. É na força do coletivo que encontro coragem e ensinamentos para me apresentar diante dos mais variados públicos.

TAG – O que você diria aos mais de 25 mil leitores do clube que vão ler Eu sei por que o pássaro canta na gaiola pela primeira vez?

Conceição Evaristo – Que estarão com uma obra instigante, dolorosa e profundamente humana. Ler Maya Angelou é mergulhar na vida estadunidense do início do século XX, com suas problemáticas raciais e acompanhar a trajetória de mulher que apesar de tanto sofrimento, de tanta violência sofrida, ainda encontrou forças para se comprometer com a luta dos Direitos Civis dos Negros Americanos. Ler Eu sei por que o pássaro canta na gaiola é entender, também, como a escrita, como a literatura pode ser um meio, um exercício de reflexão e de sublimação da dor.

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