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Entrevista: João Carrascoza e “A velocidade da luz”

João Anzanello Carrascoza Share this post

João Anzanello Carrascoza, primeiro curador de 2019 da TAG Curadoria, é um dos nomes notáveis da literatura brasileira contemporânea. Escritor profícuo – já publicou mais de quarenta livros desde sua estreia, em 1991 – e popular também no exterior, possui uma prosa recheada de poesia, exaltando a complexidade e a beleza do universo íntimo das relações conjugais e familiares – isso sem abdicar de uma escrita relaxada e fluida, que olhos desatentos podem confundir com uma simplicidade não planejada. É autor de obras infantojuvenis, contos, livros de não ficção, romances e adaptações traduzidas para diversos idiomas. Quando não está escrevendo ficção, Carrascoza se dedica ao magistério, dando aulas de publicidade em universidades de São Paulo.

Em entrevista à TAG, Carrascoza fala sobre escrever literatura e sobre a escolha do livro A velocidade da luz, do espanhol Javier Cercas, para as caixinhas de janeiro da TAG Curadoria.

TAG – Quando e como você começou a escrever literatura?

João Anzanello Carrascoza – Comecei a escrever literatura no instante em que, já alfabetizado, li os primeiros livros de poesias e contos que havia em casa, na estante de minha mãe. A leitura é o lado de dentro da escrita, assim como a escrita é o lado de fora da leitura. Mas quando li esses primeiros livros, eu apenas escrevi em meu ser as histórias contidas neles – até que, aos dezesseis anos, comecei a escrever as histórias que, vindas de mim, aspiravam à exterioridade.

Além de escritor, você também é professor. De que modo essas atividades se complementam?

Carrascoza – De várias maneiras. Mas a que mais me entusiasma é que tanto o professor quanto o escritor são e sempre serão aprendizes do humano. Ao mesmo tempo em que, no ato de se expor, partilham o que aprenderam, descobrem também o seu próprio jeito de ensinar. Tornei-me professor não porque fosse portador de saberes, mas, sim, para ir ao encontro de novos e velhos saberes. Tornei-me escritor não porque tenha muito o que contar, mas porque leio ininterruptamente, e, como leitor, não posso me calar.

Assim como a TAG, muitos clubes de leitura surgiram, reconfigurando a noção de comunidade literária. Como você avalia o cenário literário e editorial no Brasil atualmente?

Carrascoza – Vejo um movimento de expansão e contração simultâneo, como uma respiração. Por um lado, o renascimento dos clubes de leitura e de livro (com propostas de novas experiências, como a TAG), a facilidade de publicação de livros impressos ou e-books, a proliferação de eventos e prêmios literários, a elevação da qualidade do livro produzido pelas pequenas editoras, o estudo progressivo da obra de escritores brasileiros contemporâneos nas universidades. Há, na outra mão, a redução do volume de obras lançadas pelas grandes editoras, o desaparecimento dos amplos espaços na imprensa para o exercício da crítica literária, a falta de programas governamentais de compra de livros ou os seus escassos e engessados editais, a crise de solvência das livrarias físicas – e outros impasses em curso, que vão exigir a reestruturação do mercado editorial e, consequentemente, afetar o habitus do campo literário.

Por que escolheu A velocidade da luz para indicar ao clube?

Carrascoza – Pela potência literária, que captura a nossa atenção, pela complexidade dos personagens e pelo esmerado trabalho de Cercas com a linguagem. Mas também pela progressão contagiante da trama, pelas reviravoltas inesperadas e pela neblina que envolve a história de Rodney Falk no Vietnã, cujo passado enigmático pede para ser desvelado. A imprevisibilidade do desfecho, as reflexões sobre o poder da literatura e a ética do escritor merecem igualmente realce – além dos traços que já enfatizei no posfácio desta edição, exclusiva para os associados da TAG.

O livro provoca inúmeras emoções no leitor. O que lembra de ter sentido ou pensado durante sua primeira leitura da obra?

Carrascoza – Sim, o livro continuamente arrasta o leitor a experimentar sentimentos díspares, alguns nobres e outros nem tanto. Uma obra que se afasta da superfície e desce aos subterrâneos da condição humana sempre haverá de expressar as nossas contradições, desnaturalizando o nosso olhar para os fatos cotidianos e, sem dúvida, produzindo em nós compaixão pelos nossos semelhantes.

Que semelhanças e diferenças você diria haver entre seu estilo narrativo e o de Cercas?

Carrascoza – Respondo me apoiando nas obsessões que tenho como autor e em algumas observações como leitor. Primeiro, as semelhanças: a desterritorialização da realidade e da ficção; o nosso espanto diante da lógica incompreensível do destino; a escrita como um ato político (quase sempre silencioso); o esforço pelo depuramento literário. As diferenças: os nossos temas; a precisão dos recursos espaciais mobilizados por Cercas a fim de produzir os efeitos de sentido do real em oposição aos meus espaços imaginários; a nossa quadratura narrativa (Cercas prefere a câmera em panorâmica, seguida de zoom in; eu parto sempre do zoom in e fecho no close).

Para os leitores que gostarem do romance de Cercas, quais são os escritores ou outros livros que recomendaria?

Carrascoza – Eu indicaria Lincoln no limbo, de George Saunders, Caderno de memórias coloniais, de Isabela Figueiredo, Passagem para o Ocidente, de Moshin Hamid, O deus das pequenas coisas, de Arundhati Roy, Trem para Paquistão, de Khushwant Singh e A mulher dos pés descalços, de Scholastique Mukasonga.

Você é considerado um dos escritores contemporâneos mais prestigiados da literatura brasileira contemporânea. Para o narrador de A velocidade da luz, o papel do escritor na sociedade e a influência da fama em sua carreira são discussões importantes. Como você se posiciona a respeito?

Carrascoza – Penso que o escritor, recordando os versos de Drummond, deve se ater ao tempo presente, à vida presente. Se ele tem mesmo a habilidade, ou o “vício”, como disse Rodney Falk, personagem de A velocidade da luz, de ver a realidade, ou seja, se ele pode ler o texto que o mundo está compondo à sua frente, deve então escrever o que extrai dessa leitura – portanto, um compromisso consigo e com seus contemporâneos. O “vício” de ver a realidade não é uma habilidade única do escritor, ou dos artistas em geral, mas de todos que abrem os olhos de seus olhos (para usar uma expressão do poeta E. E. Cummings).

Após muitos anos escrevendo contos e novelas, você publicou seu primeiro romance, Aos 7 e aos 40 (2013). Em que momento percebeu que deveria escrevê-lo?

Carrascoza – Precisamente quando deixei de atuar em publicidade, depois de longos anos atuando diariamente em agências de propaganda na criação de campanhas. Eu precisava de amplitude de tempo para me dedicar intensivamente a um romance. Embora seja um romance, Aos 7 e aos 40 exprimiu a síntese de minha trajetória literária até aquele momento: reunia a ótica da criança frente ao desconhecido e a visada do adulto que rememora a infância, ciente do “claro enigma” que é o mundo. A estrutura da narrativa é bi fragmentada, os capítulos podem ser lidos como unidades autônomas. Só fui me afastar dessa forma mais própria de coletâneas de contos ao publicar o romance Caderno de um ausente, quando então me desafiei a escrever um épico familiar em três tempos, o que exigiu uma narrativa de maior extensão.

Você poderia compartilhar conosco um pouco sobre seu próximo livro?

Carrascoza – As relações de afeto que pautam as famílias me inquietam e me fascinam – e elas aparecem em parte expressiva de minha obra, em especial aquelas protagonizadas por pais e filhos. No entanto, pouco explorei o viver conjugado entre irmãos, únicos seres (às vezes) capazes de um entendimento mútuo, por atravessarem as mesmas águas da existência. Irmãos costumam ser as vigas-mestras de um mundo íntimo, só por eles acessado, e que sobrevive solitariamente se uma delas desaba. Daí porque meu novo romance, Elegia do irmão, a ser em março, trazer a história de uma jovem contada pelo seu único irmão.

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