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Entrevista com José Luís Peixoto, autor de “Autobiografia”

José Luís Peixoto Share this post

O escritor português José Luís Peixoto foi encarregado do maior projeto da história da TAG Curadoria. O romance Autobiografia foi escrito especialmente para o clube e enviado aos associados em julho, em comemoração ao aniversário de 5 anos da TAG. Peixoto é um dos escritores de maior destaque da literatura portuguesa contemporânea. Romancista, novelista, poeta e dramaturgo, conta com uma obra traduzida para mais de vinte idiomas, amplamente adaptada para espetáculos teatrais e obras artísticas de variados gêneros.

TAG – Você mencionou que acredita que o tema da identidade é uma constante em seus livros. Autobiografia apresenta um protagonista que é escritor (como você), jovem (como você) e se chama José (como você). Podemos considerar Autobiografia um trabalho de autoficção?

José Luís Peixoto – Penso que, em literatura, nunca existe uma fronteira rigorosa entre autobiografia e ficção. Em relação a esse assunto, sempre que se exige uma resposta de sim/não, está a cometer-se um erro. Os textos literários são sempre autobiográficos e ficcionais ao mesmo tempo. Acredito que esse aparente paradoxo faz parte da natureza da própria literatura. Aquilo que pode existir é uma intenção do autor de dirigir os elementos do texto mais para o lado fatual ou para o lado da imaginação. Isso não significa, no entanto, que seja capaz de fazê-lo absolutamente. A imensa subjetividade presente na descrição literária de algo acrescenta sempre ficção ao fato. Em simultâneo, existem sempre ligações inequívocas de qualquer texto ficcional, por mais delirante que seja, com elementos do que aconteceu. A literatura não é possível sem a memória, sem a experiência do real, mas a literatura é transfiguração, é a transformação de algo em palavras e naquilo que existe a partir das palavras. Neste livro, estas questões são colocadas de forma muito direta, tanto através do título como através da escolha de uma personagem, que parte de uma pessoa que existiu, que conheci e que ainda me é tão próxima, que ainda é tão próxima de todos nós.

Como foi a sua infância em Galveias? O quanto crescer em uma pequena cidade portuguesa impactou a sua trajetória como escritor?

Peixoto – Creio que todas as infâncias foram importantes para aqueles que as viveram. Hoje, olhando para esse tempo, tenho a sensação de que foi uma infância muito rica, passada num mundo completo, intenso. Nascer numa cidade com pouco mais de mil habitantes chamou a minha atenção para o indivíduo, o que é de muita utilidade para a literatura. A oportunidade de, permanentemente, lidar com gente de várias gerações também ajudou bastante. Ainda assim, o impacto mais imediato dessa experiência está presente nos vários livros em que descrevo essa realidade, como é o caso dos romances Nenhum olhar, Livro, Galveias, ou mesmo em Morreste-me.

Algumas perguntas específicas sobre a sua relação com Saramago: você lembra qual a primeira obra de Saramago que leu? Lembra da primeira vez que falou com Saramago?

Peixoto – A primeira vez que falei com Saramago, apenas algumas palavras breves, foi durante a apresentação de Terra, livro de Sebastião Salgado, com participação de Chico Buarque e prefácio de Saramago. Foi na Biblioteca Municipal de Coimbra, em 1997, alguns meses antes da ação deste romance que agora é publicado. Pedi-lhe para autografar Memorial do Convento, e Saramago enganou-se a escrever o meu nome e dedicou o livro a José Luís Pacheco. Nem ele nem eu imaginávamos que, quatro anos depois, em 2001, nos estaríamos a reencontrar na entrega de um prêmio com o nome dele que foi atribuído ao meu romance, Nenhum olhar. Nesse dia, encontramo-nos na cerimônia e, depois, jantamos juntos. A partir daí, ao longo dos anos, surpreendi-me sempre com o seu cuidado, com a atenção que me prestava, e aprendi muito. “A literatura não é possível sem a memória, sem a experiência do real, mas a literatura é transfiguração, é a transformação de algo em palavras e naquilo que existe a partir das palavras.”

Qual pesquisa histórica você fez para chegar aos fatos retratados em Autobiografia?

Peixoto – Li alguns livros sobre a vida de Saramago. Nomeadamente os textos que o próprio escreveu, como é o caso de Cadernos de Lanzarote (diários que cobrem o período descrito no romance), Pequenas memórias (livro que escreveu sobre a sua infância e adolescência), assim como algumas crônicas.

Quais livros o inspiraram a escrever Autobiografia? Como foi o processo de escrita do romance?

Peixoto – Um dos temas mais íntimos deste romance é a própria literatura, a forma como esta se relaciona com o ser humano. Assim, não poderia deixar de ser um livro que nasceu de muitas leituras. Entre elas, a obra do próprio José Saramago, nomeadamente os livros em que se dedica diretamente a estes temas, como é o caso de Manual de pintura e caligrafia. A título de exemplo, menciono também A angústia da influência, de Harold Bloom, mas haveria muitos mais títulos que poderia referir. O processo de escrita do romance foi intenso e, claro, marcado pela responsabilidade de escrever sobre Saramago desta forma. Foi um grande desafio pessoal que, neste momento, me deixa incrivelmente satisfeito e realizado.

Colocando as suas obras anteriores e o seu amadurecimento como escritor em perspectiva, como você explica o que significa o Autobiografia? Em termos de ousadia formal e estrutural, além do fato de estar falando do Saramago, o que esse livro representa para você?

Peixoto – Neste momento, entendo Autobiografia como um romance que aprofunda alguns temas que já tratei em livros anteriores e que, ao fazê-lo, traz novas abordagens. Por um lado, como em todos os meus livros, trabalho assuntos bastante ligados ao que vivi. A presença de Saramago marcou a minha vida de modo indelével. Sem essa presença, estaria com certeza num lugar muito diferente daquele em que estou. Por outro lado, volto a criar ficção à volta de temas históricos (como aconteceu em Cemitério de pianos ou Em teu ventre) através de uma narrativa fragmentada (como em Nenhum olhar, Livro, etc.), com vários recursos metaliterários e autoreferênciais (como em Cemitério de pianos, Livro, etc.). Em um outro nível, este é um romance de gratidão e homenagem.

Quais são seus projetos para o futuro?

Peixoto – O grande projeto é escrever. O futuro é imenso. O futuro é um oceano, e escrever é navegar.

A estante de José Luís Peixoto

O livro que estou lendo: Os filhos da meia-noite, de Salman Rushdie.

O livro que mudou a minha vida: A obra de Fernando Pessoa.

O livro que eu gostaria de ter escrito: Não tenho esse sentimento em relação aos livros que leio. Os únicos livros que gostaria de ter escrito são aqueles que imaginei, mas que não fui capaz de escrever.

O último livro que me fez chorar: Choro mais a escrever do que a ler.

O último livro que me fez rir: Wilt, de Tom Sharpe.

O livro que eu não consegui terminar: Ulisses, de James Joyce.

O livro que eu dou de presente: Depende da pessoa, mas já dei mais do que uma vez livros de Sophia de Mello Breyner Andresen.

O primeiro livro que li: Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes.

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3 comments

  • José Luís Peixoto é aquela pessoa que qualquer um que conhecer um pouco mais, se apaixonará! Ele eleva o fato de ser um excelente escritor com seu carinho e paciência com todos que se aproximam! Amo esse menino como se meu filho fosse!

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