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Entrevista: Michel Laub e “O sentido de um fim”

Michel Laub Share this post

Michel Laub foi o curador de junho da TAG Curadoria, indicando o livro O sentido de um fim, de Julian Barnes. O escritor e jornalista é um dos principais nomes da literatura brasileira contemporânea. Gaúcho de Porto Alegre, Laub vive hoje em São Paulo e é colunista do Valor Econômico, além de colaborar com diferentes editoras e veículos. Publicou um livro de contos e sete romances e já foi traduzido para dez línguas diferentes. Foi um dos vinte escritores brasileiros selecionados para a edição Os melhores jovens escritores brasileiros da revista inglesa Granta no ano de 2012.

TAG – O tribunal da quinta-feira teve os direitos vendidos para o cinema. O que pode nos adiantar sobre essa adaptação? Como acredita que a história, que depende tanto dos e-mails e das mensagens trocadas entres os protagonistas, será apresentada e recebida nas telas?

Michel Laub – O livro foi vendido para o diretor Miguel Faria Jr. no ano passado. Não sei em que pé isso anda, na última vez em que falamos ele ainda estava atrás de um roteirista. Optei por não participar porque acho interessante que tenham liberdade de mudar a história como acharem melhor, inclusive para atenuar esse problema que você cita, e a presença do autor no processo pode ser constrangedora nesse sentido.

O narrador de O tribunal da quinta-feira é politicamente incorreto e, no entanto, o leitor torce por ele enquanto a ex-mulher, de certa forma, vira a antagonista da história. Este foi um efeito intencional?

Michel Laub – A torcida pelo narrador é um efeito natural da literatura em primeira pessoa, mas nem sempre isso funciona desse modo. Na minha experiência, e especialmente em livros com conteúdo político mais imediato como esse, as leituras acabam influenciadas por vieses que não estão necessariamente no texto. Houve muita rejeição a esse personagem, por exemplo, de quem viu o livro como uma defesa incondicional do discurso dele – o que nem era a minha intenção, se é que a intenção do autor conta alguma coisa.

Você já mencionou que a internet é o pior inimigo de um escritor ao mesmo tempo que mantém um blog atualizado com certa frequência. Enquanto isso, O tribunal da quinta-feira tratou de temas essencialmente contemporâneos e ligados à vida digital, como privacidade e vigilância. Você acredita que estes sejam assuntos urgentes para a literatura? É possível escrever sobre o século XXI sem tratar dos impactos que a tecnologia teve e tem na vida das pessoas?

Michel Laub – A Internet é um inimigo mais no sentido de causar ansiedade e depressão, o que em algum grau parece inevitável para quem está nas redes sociais a longo prazo, do que por uma questão de atenção, de tempo gasto escrevendo ou não. Esses dois estados emocionais são inimigos mortais da criação literária, ao menos no meu caso. Já em termos temáticos, sim, acho difícil alguém escrever uma história urbana no tempo presente com narradores entre os 20 e os 50 anos, digamos (como têm sido os meus livros), e não tocar no assunto da tecnologia. Hoje em dia não dá mais para falar de separação entre mundo real e virtual. As duas coisas se confundem em boa parte (ou na maior parte) do tempo.

É verdade que você quer dar um tempo da ficção? Quais são seus projetos profissionais futuros?

Michel Laub – É verdade há muitos anos, mas nunca tinha conseguido levar esse plano adiante… Depois d’O tribunal eu consegui, fiquei quase dois anos sem escrever. No fim de 2017 voltei a trabalhar no que talvez vire um livro de ficção. Virando ou não, tenho também planos de alguns livros de não-ficção, algo entre a reportagem e o ensaio memorialístico.

Você já afirmou em entrevistas que o tema da identidade está muito presente em sua obra. Em O sentido de um fim, a memória do narrador parece ser ao mesmo tempo aliada e inimiga dessa construção sobre ele mesmo e sobre os outros. Como você analisa a abordagem da identidade neste livro?

Michel Laub – Em um romance em primeira pessoa (como na vida) não existe nada fora do que o narrador (ou a pessoa real) lembra ou é lembrado(a) sobre o próprio passado, sobre a história geral e assim por diante. Ou seja, identidade é memória. Me parece que o Julian Barnes bota uma ambiguidade no narrador dele: ao mesmo tempo em que ele tenta editar, manipular a memória de certa forma, até por motivos romanescos (ele vai soltando as informações aos poucos, e isso empurra a leitura para a frente, mantendo o nosso interesse de leitor), há uma certa honestidade no exame que ele faz do passado. Então, é uma fronteira entre o fingimento e a sinceridade. Isso é uma das riquezas do livro.

Como acredita que os seus narradores (in)confiáveis se relacionam com o de Barnes?

Michel Laub – Eles têm um grau de articulação e de ambiguidade moral semelhante. Nunca trabalhei com outras modalidades de narradores inconfiáveis: os ingênuos, por exemplo, ou os alucinados, ou os movidos por convicção ou por má fé.

O sentido de um fim é um livro com desfecho impactante. Como foi a experiência de lê-lo pela primeira vez?

Michel Laub – É curioso, porque reli o livro depois da escolha para a TAG e não lembrava bem do desfecho. Então, mesmo que na época tenha sido impactante (e lembrava desse impacto), o que ficou para mim (como em geral acontece com a literatura de qualidade) foi a condução da história, o modo como a visão de mundo de quem escreve aparece nas soluções formais do texto.

Quais outros livros você indicaria para quem gostou de O sentido de um fim? O que diria aos 27.000 leitores que lerão esse livro pela primeira vez?

Michel Laub – Espero que gostem do livro como eu gostei. Sobre indicações, nessa modalidade de romance curto fortemente calcado em uma trama (mas que seria só uma trama se não fosse a costura bem-resolvida da linguagem, das ideias), indico os livros Na praia, do Ian McEwan (mais contemporâneo), e Fera na selva, do Henry James (mais clássico). Os dois são sobre amor e culpa, erros do passado que determinam estados emocionais do presente, e têm a linguagem clara de certa tradição da literatura de língua inglesa que costuma fazer sucesso entre a maioria dos leitores.

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