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“O avesso da pele”: um romance premiado por sua realidade.

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Ana Souza
          Ana Souza

Pedro, o protagonista de “O avesso da pele”, conta a história da sua família e do seu pai, assassinado em uma desastrosa abordagem policial. A cor da sua pele? Negra, sem dúvida. 

Em uma denúncia contundente à violência policial e à desigualdade racial que habita as estruturas sociais do Brasil, Jeferson Tenório escreve uma obra literária arrebatadora — que invoca a consciência da realidade ao mesmo tempo que chama para a construção de outros mundos. Não é à toa, inclusive, que esse é o livro premiado com o Prêmio Jabuti 2021 na categoria Romance Literário. 

“As pessoas que te mataram ainda estão soltas. E não sei por quanto tempo elas continuarão livres. Mas elas nunca saberão nada sobre o que você tinha antes da pele. Jamais saberão o que você carregava para além de uma ameaça.” 

“O avesso da pele” é uma obra que descortina as marcas violentas deixadas pelo racismo em toda a subjetividade do povo negro — em sua rotina, em seu trabalho e em suas escolhas. Em cada capítulo, o livro mostra o quanto o sistema racista é cruel não só nas grandes violências, mas em todas suas micro agressões diárias. 

              Ilustração: Gabriela Pires

Jeferson, doutorando em teoria literária, pincela temáticas importantes, como o racismo religioso, ao trazer, por exemplo, durante a obra, muitas referências e citações aos orixás e sua relação com os personagens. O autor trata de maneira sensível, delicada e pessoal a espiritualidade das religiões afro-brasileiras e o alicerce que elas foram, e seguem sendo, ao povo negro brasileiro. Nesse sentido, a frase que encerra seu romance é simbólica: “Tenho Ogum nas minhas mãos porque agora é minha vez”.  

Além disso, o escritor traz, com muita segurança e sensibilidade, reflexões importantes sobre os relacionamentos héteros interraciais — no caso da obra, entre um homem negro e uma mulher branca — e as implicações e impactos sociais e culturais dentro e fora da relação. 

Atravessando o debate racial dentro do livro, Jeferson retrata com um alto nível de sinceridade, sensibilidade e denúncia a realidade do ensino público brasileiro e os desafios diários dos professores que acreditam na educação como instrumento para transformar a realidade de muitos jovens periféricos — principalmente, a dos negros, que correspondem a 77% dos jovens assassinados no Brasil (segundo o Atlas da Violência 2018). 

“Na verdade, você estava perdido, porque, até ali, a vida não passava de um amontoado de obstáculos que você tinha de superar. Resistir fazia parte da sua vida e você nunca havia se questionado por que as coisas eram assim.” 

No decorrer da leitura do livro, página a página, Tenório, nascido no Rio de Janeiro e radicado em Porto Alegre, nos faz sentir como ouvintes de uma história real (infelizmente, repetida várias vezes no país, sobretudo no sul) — e, também, muito especiais, por sermos dignos daquela escuta (ou leitura). O livro, narrado em 1° pessoa em uma espécie de carta ao pai do protagonista, serve como resgate de sua própria história e trajetória.


“A sua grande obra foi continuar levantando, dia após dia. Apesar de tudo, você continuou desafiando a possibilidade de morrer. No sul do país, um corpo negro sempre será um corpo em risco.” 

Com esse romance, Jeferson se consagra ainda mais como um dos maiores autores da literatura brasileira contemporânea. O Prêmio Jabuti, um dos mais importantes prêmios literários do Brasil, veio para as mãos do autor como uma forma de confirmar o que, há muito tempo, nós da TAG já sabíamos: Tenório é uma revolução na literatura brasileira.

Para conhecer a edição de “O avesso da pele” (em capa dura!) que faz parte da Trilha Vozes Negras — junto a outros seis grandes livros da literatura nacional e internacional, acesse aqui. Vamos enegrecer as nossas bibliotecas?

5/5 - (1 avaliações)

4 comments

    • Verdade, Israel. Infelizmente, vemos muitas das cenas retratadas no livro ainda hoje pelas ruas de Porto Alegre. Neste mês, na TAG Curadoria, enviaremos um livro muito profundo sobre a pauta racial. Se você ainda não faz parte do clube, o convidamos a conhecer: https://site.taglivros.com/

  • Não li, vou ler. A propagando aqui feita do livro é maravilhosa. Com certeza um ótimo livro para ler e refletir no ambito pessoal sobre a coletividade social. No entanto, é preciso levar em conta as críticas quando se coloca o livro como parametro para a educação enquanto livro de estudo. Nem todo livro de romance se presta para a educação, porque a linguagem informal e coloquial (ou chula como alguns dizem), não se coaduna com a linguagem e o respeito necessários no espaço escolar.

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