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Indicações de livros

O livro favorito de Socorro Acioli

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Há muitas coincidências que conectam o projeto literário da curadora do mês, Socorro Acioli, ao autor do livro indicado por ela, Gabriel García Márquez. Mas talvez o fundamental seja que os dois escrevem sinceramente a partir dos lugares de onde vêm, de um jeito que alcança pessoas de muitos outros lugares, que sentem ali algo intangível e profundo que conversa com sua própria realidade.

Para a escritora cearense, o Nordeste brasileiro, assim como outros cantos da América Latina, é um lugar de milagres, de uma intimidade muito forte com os santos e com o simbólico. Segundo ela, isso tem a ver com a necessidade de fé que a pobreza impõe, mas também se relaciona à capacidade de conectar-se com o mistério e o encantamento. E é isso que está no âmago do apreço que nutre por Do amor e outros demônios, seu livro do coração. “Eu sou romântica, eu tenho fé, e esse para mim é de longe o melhor livro do Gabo”, afirmou em entrevista concedida em maio na sede da TAG, em Porto Alegre.

Para ela, o autor explora de forma muito contundente neste livro os impasses da religiosidade na América Latina e a tentativa de apagamento das religiões de matriz africana e indígena, através da forma como Sierva María experimenta os impactos dessas religiões em seu corpo, assim como a violência de uma doutrina católica imposta. Socorro também relembra, encantada, a imagem inesquecível do cachorro com uma estrela na testa, que abre a narrativa. No desenvolvimento da história, o cão que dispara a sequência de acontecimentos do enredo acumulará camadas e mais camadas de significado.

O REALISMO MÁGICO

Assim como Do amor e outros demônios, os dois romances de Socorro Acioli encontraram inspiração em fatos tão insólitos quanto verdadeiros. O mote de A cabeça do santo surgiu a partir de uma notícia de jornal. No livro, um homem encontra abrigo na imensa cabeça oca de uma escultura inacabada de Santo Antônio e, lá dentro, escuta as preces de amor das mulheres que oram para o santo. Já Oração para desaparecer foi inspirado em uma igreja em Almofala que passou 45 anos soterrada nas dunas, e que posteriormente a autora descobriu ser um território Tremembé. “Foi da descoberta dos Tremembés e da religiosidade deles que veio todo o resto”, declarou Socorro.

A autora atribui esse gosto pelo enlace entre fantasia e realidade ao jornalismo, profissão em que se formou. “A gente aprende a apurar, entrevistar, ouvir, elaborar o que escutou, e que tudo tem três, quatro versões. Acho que não preciso inventar nada, a realidade já me dá material suficiente, mas eu ficcionalizo muito a partir disso”, explica.

A OFICINA DA ESCRITA COM GABO

Socorro também contou sobre a incrível experiência de ter sido aluna de Gabriel García Márquez em uma oficina de escrita de roteiro em Cuba, em 2006, que descreve como algo próximo de um sonho, um delírio. Em uma turma de nove jovens roteiristas em que era a única pessoa do meio literário, ela conviveu com o escritor colombiano durante uma semana. O argumento de A cabeça do santo foi sua porta de entrada para o curso. “Quando eu contei a história da cabeça, ele ficou me fazendo perguntas: ‘Mas o homem existe, a cabeça você inventou?’ E eu dizia, não, o personagem eu inventei, a cabeça existe. Ele mesmo ficou um tempo tentando entender onde estava a invenção.”

Ela foi embora com um incentivo declarado de seu ídolo literário, que reforçou que ela não desistisse de escrever, pois seria um caminho difícil. Essa bênção luxuosa ressoaria em seu íntimo nos sete anos seguintes em que passou trabalhando no livro. Mas segundo ela, o maior ganho da oficina foi voltar para casa com um sentimento inédito de pertencimento à identidade latino-americana. “Eu fui fazer o curso motivada pela figura dele, mas quando cheguei lá, o que aconteceu de mais forte foi me reconhecer latino-americana. Não sei como fazer para recuperar essa conexão perdida entre o Brasil e a América Latina, mas a literatura é um dos caminhos para essa aproximação”, declarou em evento virtual realizado pela TAG em 2020.

A TRAJETÓRIA DE SOCORRO E A PARCERIA COM A TAG

Antes de se alçar ao nível de repercussão que ganhou com Oração para desaparecer, Socorro já tinha mais de 20 livros publicados, a maioria deles direcionados às crianças. Nesse percurso, ganhou um Jabuti de Literatura Infantil com o livro Ela tem olhos de céu. Quando se voltou para o público adulto, a autora conta que o aspecto inventivo de suas tramas a desconcertava em muitos momentos. Às vésperas de publicar Oração para desaparecer, quase desistiu, pensando que “a história era muito louca” e que não faria sentido para os leitores. Para benefício de todos nós, sua agente a convenceu a persistir no plano.

Quando a TAG enviou o livro em primeira mão aos associados em setembro de 2023, a autora acompanhava com ansiedade os comentários dos taggers no aplicativo. A cada elogio emocionado à história (e foram muitos!), ela ficava mais incrédula. Demorou para se convencer de que sua narrativa tinha mesmo conquistado o público. Agora, quem acompanha com ansiedade os passos de Socorro somos nós, na expectativa pelo lançamento de um novo romance da autora.

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