“Úrsula” é a obra que abre a trilha Vozes Negras, um projeto literário da TAG que nasceu com o propósito de enegrecer nossas bibliotecas. Mas, mais do que isso, esse livro pioneiro abriu caminhos para toda a literatura negra (e feminina!) produzida no Brasil.
Profundamente marcado por sua condição de ser o primeiro romance escrito por uma mulher negra brasileira, a escrita da obra é atravessada por questões do seu tempo que ressoam até hoje nas maiores dores estruturais de um país que viveu quase 400 anos em um regime escravocrata.
Maria Firmina dos Reis, sua autora, assim como muitas outras escritoras e escritores negros, utilizam da literatura não somente para denunciar uma realidade dura, mas também para traçar caminhos a outrofuturo.
“Úrsula” foi publicado originalmente em 1859, sob o pseudônimo de “uma maranhense”. Já no prefácio da obra, a autora conta que este livro “não deve valer muito”, anunciando aos leitores sua realidade: na metade do século XIX, as produções literárias de autoria negra, sobretudo de mulheres negras, não eram vistas com bons olhos.
Mais do que simplesmente o primeiro registro literário de autoria negra e feminina, o romance é um livro abolicionista — considerada por muitos historiadores como sendo o primeiro do Brasil abertamente contra à escravidão —, que usa do poder da escrita para retratar e denunciar o tempo em que se vive. É uma obra literária de fundamental importância para se entender as consequências históricas, sociais e políticas — além das emocionais e psicológicas — deixadas pelo sistema escravocrata e que repercutem até os dias de hoje na estrutura da nossa sociedade.
”… e amaldiçoo em teu nome ao primeiro homem que escravizou a seu semelhante”
— Maria Firmina dos Reis em Úrsula
O romance seria o que muitos consideram como a primeira obra da literatura afrobrasileira — justamente por tratar sobre a condição do ser negro no Brasil de maneira reflexiva. Apesar da protagonista do livro ser uma mulher branca, pela primeira vez na história da literatura brasileira há uma narrativa sobre a escravidão conduzida por uma perspectiva afro-descendente.
Inicialmente, o livro pode aparentar se tratar de mais um romance impossível entre dois jovens, assim como muitos outros do seu tempo. Porém, basta avançar um pouco na leitura para notar que o tratamento dado aos personagens negros e a percepção da escravidão marca a obra de maneira a evidenciar que seus propósitos são outros.
De certa forma, Maria Firmina dos Reis se utiliza do romance romântico como estratégia política de denúncia às injustiças raciais, de classe e de gênero.
Mesmo com toda sua importância e simbolismo, por muito tempo a obra não recebeu o reconhecimento que merecia — ficando “escondida” por anos dos grandes nomes da literatura. Foi apenas em 1975 que o romance ganhou sua segunda edição. Nos últimos tempos, ”Úrsula” tem se posicionado ainda mais onde sempre deveria ter estado: entre os grandes clássicos literários brasileiros.
Para conhecer a edição de “Úrsula” (em capa dura!) que faz parte da Trilha Vozes Negras — junto a outros seis grandes livros da literatura nacional e internacional, acesse aqui. Vamos enegrecer as nossas bibliotecas?