"Clara dos anjos": um livro sobre descobrir seu lugar social
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“Clara dos anjos” é um livro sobre descobrir seu lugar social no mundo

Lima Barreto, Clara dos anjos Share this post
           Ana Souza

Hoje, é inegável: Lima Barreto é um dos mais importantes autores brasileiros de todos os tempos. Porém, nem sempre o autor recebeu o reconhecimento que merecia. Foi apenas após sua morte que a maioria da sua obra foi reconhecida e republicada. 

Carioca nascido em 1881 e descendente de pessoas escravizadas, o escritor e jornalista sentiu na pele a exclusão social e, também por isso, sempre foi um forte crítico da sua época. Escreveu romances, sátiras, contos e crônicas publicados, principalmente, em revistas populares ilustradas e periódicos anarquistas do início do século XX. “Triste fim de Policarpo Quaresma” é a sua obra mais conhecida, considerada um dos maiores clássicos brasileiros e um marco para o pré-modernismo.

“Clara dos anjos” é uma das suas grandes obras póstumas. O livro conta uma história que atravessa as dinâmicas sociais que envolviam as mulheres, pessoas negras e birraciais no início do século XX — quando o Brasil entrava num período de “modernização” quase forçada e o fantasma da escravização ainda se fazia muito presente na vida das pessoas negras. A narrativa, por sua vez, não falta em nada quanto à complexidade dos temas que a perpassa e é um retrato do ideal racista que embasou a formação do Brasil republicano.

          Ilustração: Gabriela Pires

Lima Barreto tinha um jeito muito próprio de escrever, se utilizando da língua falada com humor e ironia. O escritor não poupou em usar sua escrita como ferramenta de denúncia. Em “Clara dos anjos”, vemos um processo doloroso e, ainda sim, muito real, de uma jovem de 17 anos que descobre o lugar social que ocupa no espaço e tempo em que vive: mulher, negra e pobre no Brasil República.

Na obra, o autor evidencia com grande êxito a compreensão do racismo e do sexismo como edificações sociais. O universo no qual a narrativa do livro acontece, o subúrbio do Rio de Janeiro, é mais do que apenas a localização da trama: ele é decisivo para evidenciar as estruturas excludentes deste projeto republicano criticado por Lima. O lugar é tão protagonista de “Clara dos anjos” quanto seus principais personagens. Para retratar com fidelidade os modos de existir do subúrbio carioca no início do século XX, o escritor constrói um narrador onisciente irônico e convincente — o livro é inteiro narrado em 3° pessoa.

“Por esse intrincado labirinto de ruas e bibocas é que vive uma grande parte da população da cidade, a cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhe cobre atrozes impostos, empregados em obras inúteis e suntuárias noutros pontos do Rio de Janeiro.“

No Brasil, o século XX começa com um projeto de república liberal que busca fugir do aspecto da escravização. No entanto, as heranças do regime escravocrata permaneciam em evidência. Nessa época, chegavam da Europa as teorias eugenistas que iriam influir na tomada de decisão dos governantes. E é nesse cenário que a literatura de Lima Barreto acontece. 

“Clara dos anjos” é uma obra fundamental para entendermos os princípios racistas que passaram a estruturar a vida urbana brasileira no país pós-abolição e que se aprofundaram ao longo do século XX. 

Para conhecer a edição de “Clara dos anjos” (em capa dura!) que faz parte da Trilha Vozes Negras — junto a outros seis grandes livros da literatura nacional e internacional, acesse aqui. Vamos enegrecer as nossas bibliotecas?

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