Ao terminar de ler O alforje, com seu forte sabor de especiarias, me ocorreu um pensamento contente: caramba, o que seria da diversidade de nossa dieta literária se não fosse a TAG! E se não fossem, claro, curadores de visão estética panorâmica como o erudito argentino Alberto Manguel.
Na tradução sempre competente de Rubens Figueiredo, o livro de Bahiyyih Nakhjavani é um delicado acepipe de orientalismo escrito por uma mulher situada por sua biografia no meio do caminho entre Ocidente e Oriente, ou mais precisamente, entre a Inglaterra e o Irã.
Seguidora da fé Bahá’i, cujos textos sagrados toma como ponto de partida para sua fábula, é compreensível que Nakhajavani, saudosa da terra natal, opte por uma prosa intensamente evocativa, aromática e rica em exotismos, parente da “cor oriental” que Jorge Luis Borges (não por acaso, amigo e conterrâneo de Manguel) censurou nos tradutores das Mil e uma noites.
Isso é importante de um ponto de vista da sociologia literária? Acredito que sim. O intelectual palestino Edward Said demonstrou em seu influente livro Orientalismo o quanto de imperialismo existe no fascínio ocidental por “vizires, palmeiras, beijos e luas” (ainda Borges).
Se os prazeres intensos da leitura de O alforje podem ser, dessa forma, levemente culpados, paciência. Que livro estupendo escreveu Nakhjavani, por Alá! Sua mistura de inquietação espiritual com a precisão narrativa de uma história sutilmente concebida nos confronta com a plena realidade artística daquilo que autores “inspiracionais” como Paulo Coelho ameaçam fazer e não fazem.