Há algum tempo, li O xará. Lembro de uma noite à beira do fogo em Gramado, num inverno de anos atrás, e de como fiquei comovida. Reli o livro para escrever este texto e alguma coisa aconteceu (a vida mesma, creio…), pois a emoção de outrora transformou-se num pranto meio incontrolável na beira da praia no feriado que abriu o mês de fevereiro.
Gosto muito da Jhumpa Lahiri. Acho que a literatura tem a função maravilhosa (e imprescindível) de aproximar os seres humanos de realidades distantes da sua – entramos, em O xará, nas fímbrias mais profundas da vida de uma família indiana vivendo seus medos, seus estranhamentos com a América, sua saudade inquebrantável da família, do país natal, dos costumes arraigados na alma. Eu sou de origem polonesa, nascida em Porto Alegre, mas ainda lembro da estranheza de ver meu avô, que morreu (bem-sucedido na sempre estranha – para ele – América do Sul) sem aprender fluentemente o português. Lembro de como eu o achava curioso, esquisito às vezes, diferente dos outros de uma forma que quase me parecia mágica e que fez dele o meu primeiro personagem. Mas lembro, também, de como, nos recreios escolares, quando eu levava pierogi de lanche (pierogi é um pastel cozido tradicional da cozinha polonesa), incomodavam-me as caras de espanto dos meus colegas de aula. Naqueles recreios, eu me sentia profundamente próxima do meu avô – éramos, ambos, partes de uma mesma história.
O tempo passou e escrevi sobre isso em alguns romances – provavelmente não com a maestria de Lahiri. Neste livro, sempre narrado no presente, vivemos a vida de Ashima e de Ashoke, e acompanhamos o nascimento e a vida de Gógol – e também, com algum distanciamento, de sua irmã, Sonia. Estados Unidos e Índia brigam e dançam e copulam nesta história – que é, mais do que tudo, uma história de amor familiar, de identidade e de estranhamento. Um livro que chega aos leitores da TAG num momento importante da política mundial, talvez, em tempos próximos, uma Ashima acabe mesmo dando à luz em Calcutá, e não no interior dos Estados Unidos.
Mas voltando à beleza deste romance, O xará é também (e é muito) um livro sobre a vida e os seus movimentos de expansão e contração, porque tudo vai e volta, cresce e diminui para tornar a crescer novamente, num incansável círculo eterno, como um pulmão respirando, como um coração batendo até, por fim, silenciar. Um livro sobre ser estrangeiro, sobre heranças familiares e sobre pertencimento. Como uma vida faz outra vida, um filho, muito provavelmente, virá a desprezar o passado dos seus pais, afastando-se dele porque precisa construir-se a si próprio. Mas, em algum momento, perto ou longe, este afastamento encontrará seu inexorável caminho de volta, de reencontro – somos todos iguais, somos todos incompreendidos, somos todos estrangeiros na vida uns dos outros, mas a gente só descobre isso depois de viajar muito pelos anos.