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Crônica melancólica de um mundo perdido

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Brideshead, mansão campestre de uma família católica da aristocracia britânica, é mais que cenário. Corporifica um suntuoso estilo de vida que já está condenado à extinção quando suas portas se abrem para receber o jovem Charles Ryder, estudante de classe média com ambições artísticas que vai se tornar pintor profissional. Narrador da história, que conta como exercício de memória depois que a Segunda Guerra Mundial revirou aquele mundo de pernas para o ar, Ryder é um alpinista social clássico.

Ao mesmo tempo que se mantém distante em sua frieza analítica dos costumes dos ricos, envolve-se profundamente com os Flyte. O envolvimento é amoroso – primeiro com o belo e atormentado Sebastian, seu colega em Oxford, num caso homossexual bem menos que velado (embora tampouco explícito), e anos mais tarde com sua igualmente bela irmã Julia.

Retorno a Brideshead é, antes de mais nada, um romanção no sentido pleno da palavra. Mais do que contar uma história, a narrativa dá forma a um mundo completo de ideias, imagens e sensações onde o leitor vira uma espécie de habitante invisível, um voyeur guloso que já não quer ir embora. Evelyn Waugh (1903-1966) é um narrador sagaz e um estilista que, em seus melhores momentos, produz parágrafos perfeitos em que nada poderia ser dito de outra forma.

Acontece que Waugh não era apenas um escritor de imenso talento. Era um escritor de imenso talento que tinha, como se diz hoje, uma agenda clara. Convertido ao catolicismo aos 27 anos, ultraconservador em política, estética e costumes, conduziu a festança romanesca – e repleta de deliciosos “pecados” – de seu livro mais famoso a um final redentor e pio que só os católicos mais fervorosos deixarão de considerar inverossímil.

O problema não é a religiosidade em si, embora ela seja de conciliação difícil com o laicismo inato do mais prosaico dos gêneros literários. Grave é o modo esquemático e forçado como ela se introduz para tingir de tragédia uma história de amor. Graham Greene, outro inglês católico que gostava de falar de Deus em seus livros, foi mais feliz ao abordar uma renúncia amorosa semelhante em Fim de caso.

Não se trata de um problema pequeno, mas convém deixar claro que isso passa longe de invalidar Retorno a Brideshead. Como eu disse, o livro é um romanção impressionante antes de mais nada.

Se a fé do autor o leva a perder a mão no final, o mesmo não se pode dizer de seu ultraconservadorismo. Desconfortável em seu próprio tempo, inimigo da arte moderna, nacionalista, saudosista e misantropo, Waugh foi por isso mesmo um cantor inspirado da juventude perdida, retratista mordaz de tipos humanos e cronista sensível de um mundo, o da velha aristocracia britânica, que se fazia em pedaços no período entreguerras.

Satirista famoso, aqui ele conteve a veia cômica como nunca – embora não tenha aberto mão dela por completo, ainda bem. O tom predominante no livro é de profunda melancolia pelo que se perdeu, pelo que está sempre se perdendo. Ninguém precisa compartilhar do passadismo do autor para se render ao poder de sua arte.

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