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Indicações de livros

O inesquecível Zorbás

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Eu lembrava-me do filme e da indefectível cena do colapso do teleférico, quando o projeto capitaneado por Zorbás desaba diante de toda a aldeia incrédula. Mas eu não lembrava de Zorbás, nem do enredo, nem nunca tinha posto meus olhos nas páginas belíssimas de Níkos Kazantzákis, um veradeiro romancista filósofo.

A história de como o livro foi escrito ajuda muito a entender a natureza bela e pueril do personagem principal, Zórbás. Níkos Kazantzákis e sua esposa, fugindo da ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial, recolhem-se em sua casa de Egina. Lá, quase sem ter que comer, o casal passava todo o dia deitado afim de economizar energias físicas. É neste momento duríssimo que nasce Zorbás, uma criatura dionísica, vivaz e primária, um coração pulsante de ardor, uma alma sintonizada com as mais profundas correntes da natureza, capaz de conectar-se às marés, de mudar como a lua, de rejuvenescer como o dia. Egoísta, genial, alegre e doce, Zorbás é contratado pelo narrador do romance, um amante de livros que se decide a provar a vida prática, para ajudá-lo com uma pequena mina de linito que ele comprara em Creta – e assim partem os dois, extremos opostos da condição humana, rumo àquela aventura empreendedora. O narrador, quase um filósofo, apaixona-se pela energia básica, pelo olhar pueril do já sessentão Zorbás, um grego alto e forte, que se recusa a envelhecer e que ama todas as mulheres do mundo.

Níkos Kazantzákis nos dá assim um romance cujo enredo é apenas pano de fundo para uma análise da condição humana e das suas eternas angústias. Mas, mesmo assim, a pequena vila em Creta é um manancial de incríveis criaturas, como a inesquecível Madame Hortense, a bela e desafortunada Viúva, o tio Anagnóstis e outras figuras extraordinárias, todas capitaneadas por Zorbás, uma espécie de Sherazade masculina, cujas histórias fazem o narrador repensar todo o seu modo de viver. Para mim, amigos leitores, foi uma experiência única – porque (compartilho com vocês) dei-me conta de que Zorbás é um pouco o meu pai. Meu pai em sua aparência mediterrânea, em seu anseio de juventude, em sua vontade de morder o mundo como uma maçã, em seu amor pelo sexo feminino e em suas aventuras infindáveis, que se modificam a cada vez que ele as reconta – e talvez venha daí este meu espírito de narradora incansável.

Este romance é para ser lido e não se pode dizer muito sobre ele. Como uma tarde azul à beira-mar, não bastam palavras, apenas o vento e o sal e o sol é que valem. Mas, deixo aqui uma das máximas de Zorbás: “Que engenhoca é o homem. A gente coloca nela pão, vinho, peixes, rabanetes e saem suspiros, risos e sonhos. É uma fábrica!” E o que seria este amor pelos livros que nos une a todos – senão um gosto por pensar, por sonhar? Por colher o fruto, às vezes doce, às vezes amargo, mas sempre transformador, dos pães e rabanetes alheios? Zorbás desconfiava dos livros, preferia a vida. Mas Kazantzákis deu-lhe um palco e tanto todinho feito de páginas e de palavras. Zorbás ficaria cabreiro – mas, que sorte a nossa!

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