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Entrevista: Ana Lima Cecilio

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Neste mês de maio, os associados da TAG Curadoria receberam Se adaptar, uma narrativa apaixonante da autora francesa Clara Dupont-Monod. Quem escolheu o título foi uma das pessoas mais qualificadas para indicar um livro no Brasil: a curadora da Flip Ana Lima Cecilio. Formada em Filosofia pela USP, ela trabalhou em diferentes eixos da cadeia do livro nos últimos 20 anos. Na Globo Livros, foi a editora responsável por trazer ao Brasil os livros da escritora italiana Elena Ferrante. Em 2024, Ana assumiu uma posição fundamental na organização de um dos eventos literários mais importantes do Brasil como curadora da 22ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty. Depois de uma experiência muito feliz, ela seguirá o trabalho em 2025.

Nossa curadora transborda generosamente seu precioso repertório de leituras na newsletter semanal A Lábia, que a gente recomenda fortemente. Nas palavras da própria Ana, lá ela busca falar de livros “de um jeito que aproxime as pessoas, que seja gentil com possíveis leitores, que fale sobre o mundo real”. Munida desse extenso e profundo repertório literário, Ana Lima Cecilio compartilha em entrevista sua leitura da obra indicada aos taggers, além de algumas dicas valiosas para expandir a experiência com o livro e as sensações de assumir a curadoria da Flip.

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SEIS PERGUNTAS PARA A CURADORA DO MÊS

1- O que te cativou em Se adaptar, livro que você escolheu para enviarmos aos associados da TAG neste mês?

Se adaptar é um livro muito especial, um desses em que a literatura consegue fazer um pequeno milagre. A sinopse, o mote da história, é uma das coisas mais dolorosas que podem acontecer na vida: o nascimento de uma criança inadaptável, com um abismo entre ela e todos que a cercam. No entanto, o que a autora faz ao descrever e criar essa família é mostrar para o leitor que o afeto, a humanidade e a curiosidade são capazes de transformar qualquer experiência humana numa oportunidade para estarmos mais perto. É difícil falar isso sem parecer cafona, mas quando eu li o livro fiquei com vontade de bater na porta de todo mundo pedindo para lerem. E que coisa mágica é a literatura quando ela faz a gente se sentir mais próximos das pessoas. 

2- Este livro trata de um tema fundamental para o debate coletivo, que é a experiência de pessoas com deficiência e suas famílias. Na sua opinião, o que a ficção traz de potencialidades para o olhar sobre este e outros assuntos pertinentes à coletividade?

A gente pode olhar o livro do jeito mais pobre, que é tentar caçar nele uma espécie de manual de como lidar com uma pessoa com deficiência – sejamos empáticos, sensíveis, vamos aprender com essa família tão especial etc. Mas eu acredito muito fortemente que a literatura produz leituras polissêmicas, e que um livro como esse não se presta só a dar lições de moral.

Ao contar uma experiência muito particular, ele fala da humanidade inteira, e é uma metáfora linda de como a gente olha o mundo (e não necessariamente a relação de uma família com uma criança com deficiência). O livro é a metáfora de todos os encontros que a gente tem pela vida, com pessoas diferentes de nós. E de como a delicadeza, a paciência, o conhecimento, a sabedoria podem ir se engendrando para lidar com o diferente, seja ele qual for. Quando a gente aprende isso, a literatura nos torna mais humanos, e aí a gente pode dispensar qualquer manual de conduta, porque já estamos aptos a lidar melhor com o mundo. 

3- O que torna um livro especial para você? E o que faz você abandonar uma leitura?

Eu acho que, antes de tudo, a linguagem. Acredito muito que literatura não é “sobre” – sobre maternidade, sobre abandono, sobre relacionamentos humanos. Literatura é o que a linguagem pode falar sobre o mundo. Então se o livro tem uma linguagem interessante, eu acho que ele é especial. Mas eu sou uma leitora curiosa, e vou adiante em muitas leituras que não são exatamente as minhas preferidas, naquela vontade de saber onde é que aquilo vai parar.

O que me faz abandonar a leitura é a banalidade, o moralismo, o lugar comum, o reacionarismo. Em alguns livros, bastam umas poucas páginas pra gente saber que a menina geniosa que torce o nariz pro rapaz marrento e o rapaz marrento vão ter um tórrido caso de amor. Eu às vezes acho que a literatura está muito contaminada por manuais de escrita, e aí se resume a um guia de procedimentos. Aí eu acho imperdoável, porque fica chato, e largo sem dó. Mas em geral eu sou generosa e termino a leitura.

4- Como foi a experiência de ser a curadora da Flip em 2024 e como estão os preparativos para a próxima edição do evento?

Foi uma das coisas mais divertidas, animadoras e estimulantes que eu já fiz trabalhando. Eu sempre li muito, e ter a chance de botar os livros e os autores para conversar é como realizar um sonho. E além disso dá pra conhecer um monte de gente incrível no caminho, participar muito ativamente de uma comunidade literária, ver minhas ideias tomando forma no palco da Flip. É gostoso demais. E agora, no segundo ano, é ainda mais gostoso, porque já estou um pouquinho mais segura do que funciona e do que não, e mais azeitada com o organismo vivo e lindo que é a Flip. 

5- Há alguns meses tivemos acesso a dados preocupantes sobre a redução no número de leitores no Brasil. Como alguém que trabalha nessa área há mais de vinte anos, quais desafios e caminhos você enxerga para incentivar a leitura no nosso país?

Eu acho que não há nenhuma outra resposta que educação e política pública. Os trabalhadores do livro no Brasil são verdadeiros guerreiros. Conheço mil histórias de gente que deu e dá a vida para tornar a leitura uma realidade maior no Brasil. Do meu lado, por exemplo, eu me empenho para fazer uma Flip convidativa, generosa, aberta, para mostrar às pessoas que a leitura é transformadora, agradável, prazerosa.

Também escrevo semanalmente uma newsletter, A Lábia, em que não poupo recursos para convencer as pessoas a lerem livros que, acredito, são transformadores, como este Se adaptar. Mas as ações individuais são minúsculas perto do que significaria uma política de Estado em prol da leitura, com a multiplicação das bibliotecas, o incentivo fiscal para pequenas editoras e livrarias e o controle rigoroso contra tubarões do mercado como a Amazon. É ambicioso, claro, mas enquanto a gente age no pequeno, é importante ir pensando no grande. 

6- Que outros livros você indicaria para complementar a experiência de leitura de Se adaptar?

A Natalia Ginzburg, uma autora italiana brilhante, tem um livrinho de pequenos ensaios chamado As pequenas virtudes. Fala, entre muitas outras coisas, sobre criar filhos, e é das coisas mais lindas do mundo. O Richard Powers, um autor estadunidense, também tem o belo Deslumbramento. Um romance fantástico sobre um menino especial, e que ainda é um dos romances mais lindos sobre o mundo contemporâneo e as ameaças climáticas.  

A ESTANTE DE ANA LIMA CECILIO

Primeiro livro que li: Reinações de Narizinho, do Lobato. Foi o primeiro livro “sem figuras” que eu encarei inteirinho e sozinha, absolutamente deslumbrada com o poder da imaginação.

Livro que estou lendo: Dias lentos, encontros fugazes, da Eve Babitz, uma surpresa maravilhosa de um livro engraçado, sexy, divertido e tão, mas tão inteligente.

Livro que mudou minha vida: Grande Sertão Veredas, do Guimarães Rosa. Porque é um livro que fala de todas as coisas do mundo, e a gente nunca mais sai dele igual.

Livro que eu gostaria de ter escrito: Uma mulher singular, da Vivian Gornick. Porque é brilhante e me fez entender que a vida de todas as mulheres pode ser digna de virar um livro estupendo – basta encontrar a sua linguagem.

Último livro que me fez chorar: O verão em que mamãe teve olhos verdes, da Tatiana Tibuleac. Pela imensa humanidade, pela beleza e por aquela mãe, que é um pouco a minha.

Último livro que me fez rir: Felizes os felizes, da Yasmina Reza (me fez chorar também, mas a graça desse livro é essa).

Livro que dou de presente: Caprichos & Relaxos, do Paulo Leminski. Porque é o poeta mais generoso do mundo e mostra que a poesia está ao alcance de todo mundo. 

Livro que não consegui terminar: Eu geralmente sou corajosa, e quando o livro é importante, eu vou até o final. Acho que abandono os muito tolos, os moralistas e os muito mal escritos.

Clube do livro: escolha um (ou vários!) para chamar de seu

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