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Heloisa Jahn fala sobre a primeira tradução de Buchi Emecheta para o português

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Em outubro de 2017, enviamos aos associados da TAG o livro As alegrias da maternidade, da Buchi Emecheta. A obra é a de maior repercussão e recepção positiva ao redor do mundo da escritora nigeriana. A partir de seus escritos, a autora comprometeu-se a contestar os estereótipos da mulher nigeriana e africana, expondo sua realidade diária e a opressão das normas sociais. As alegrias da maternidade recebeu sua primeira tradução para o português, assinada por Heloisa Jahn, com a edição da TAG, sendo ao mesmo tempo a primeira obra de Emecheta editada no Brasil.

A carioca Heloisa Jahn – que atualmente mora em São Paulo – trabalha como editora e tradutora, tendo sido já responsável por traduções de grande importância para o cenário literário, como 1984 (George Orwell, edição de 2009), O livro dos seres imaginários (Jorge Luis Borges, edição de 2007), Respiração Artificial (Ricardo Piglia, edição de 2010) e Tête à tête (Henri Cartier-Bresson, edição de 1999), todos pela Companhia das Letras. Como editora, trabalhou na Cosac Naify e liderou diversos projetos, como o livro Tempo de espalhar pedras, de Estevão Azevedo, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2015.

Você já traduziu títulos do inglês, do espanhol e do francês. Você diria que existem diferenças no processo tradutório de acordo com a língua estrangeira com que se trabalha? Quais são os desafios particulares que cada uma dessas línguas impõe para a tradução para o português?

Também já traduzi do dinamarquês (há pouco saíram alguns contos do Andersen, O patinho feio e outras histórias, numa bela edição da 34 Letras, e do sueco). Cada língua tem o seu jeitão: na escolha das palavras, na forma de arrumá-las, no ritmo, no som. Há línguas mais sisudas, outras são coalhadas de adjetivos, umas são guturais, outras musicais, umas são faladas mais alto, outras com delicadeza. A tradução é um processo de transferência de quase tudo isso para a língua de destino, mas boa parte da personalidade da língua original permanece — sobretudo no estilo da narrativa. Não há propriamente peculiaridades no processo de tradução de cada língua; alguns livros são mais difíceis (por exemplo, exigem pesquisa quanto a conteúdos, referências e culturas que o tradutor desconhece), mas o processo em si é o mesmo. O desafio está, na verdade, na especificidade de cada obra: se não quiser fazer um trabalho burocrático, o tradutor terá de se atrever a escrever de novo o livro, e para isso tem de apostar que ouviu a voz de seu autor. O verdadeiro desafio, e o verdadeiro risco, está aí.

No mundo globalizado de hoje, os tradutores são essenciais para o intercâmbio entre culturas. Inédita no Brasil, a escritora Buchi Emecheta é, pelo contrário, muito conhecida em outros países, tendo publicado vinte romances, livros infantis e sido traduzida para inúmeras línguas. Como você encara ser responsável pela primeira tradução que os leitores brasileiros terão dessa escritora nigeriana e qual importância você, como editora e tradutora, confere a esse momento?

De muitas maneiras, a nigeriana Buchi Emecheta foi uma pioneira. Nascida em 1944, cresceu num país onde as mulheres só adquiriam identidade por meio do casamento, cabendo-lhes as tarefas de cuidar da casa, alimentar a família e tomar conta dos filhos, enquanto aos homens correspondia a obrigação de prover o sustento da casa. Mulheres deviam obediência e submissão aos pais e depois aos maridos, e tinham de adaptar-se sem oposição a situações difíceis como a convivência com eventuais outras esposas dos maridos, por vezes em condições de muita pobreza, com a família inteira, habitualmente com muitas crianças, vivendo em pequenos aposentos.

Aos 22 anos, com cinco filhos, Buchi Emecheta se separou do marido. A família havia se mudado alguns anos antes para a Inglaterra; sozinha, achou a força de trabalhar para manter a casa, estudar e escrever. Escreveu a partir de sua própria experiência de vida e fez um relato emocionante sobre a força e a solidariedade das mulheres nas condições que conheceu – primeiro na Nigéria patriarcal, depois como imigrante negra na Inglaterra. Além de partilhar sua experiência com o leitor numa escrita poderosa, faz-nos pensar mais uma vez na força da literatura: como essa moça, nascida numa aldeia africana, tolhida por uma cultura de absoluto domínio masculino, confundida pelas imensas transformações culturais dos mundos em que viveu, encontrou a força de escrever mais de vinte livros extraordinários, transformando experiência em literatura de primeira qualidade? Ela é uma escritora notável, e é um prazer muito grande trazê-la para o português do Brasil.

Levando em conta os questionamentos levantados por Buchi Emecheta ao descrever a sociedade patriarcal nigeriana, na qual a mulher tem um papel intrinsecamente ligado ao de mãe, como você imagina que será sua recepção pelo público leitor brasileiro?

No Brasil, como em quase toda parte, o papel da mulher está mudando, sobretudo em decorrência da pressão das próprias mulheres. As mulheres vêm ocupando espaços crescentes em todas as áreas – da pesquisa científica à política. O desenho das funções familiares vem se modificando, com os homens dividindo de forma cada vez mais equilibrada as funções antes consideradas “femininas”. O Brasil ainda está relativamente atrasado nesse processo e tem peculiaridades quando pensamos no que é usual entre a maioria pobre, com um grande número de famílias sem pais. Seja como for, Emecheta chega ao Brasil num ótimo momento da conversa sobre feminismo e consciência social.

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