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Quem foi Buchi Emecheta, a influente escritora nigeriana recém-lançada no Brasil

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No dia 25 de janeiro de 2017, o mundo perdia uma obstinada voz da literatura, que inspirou uma geração inteira de escritores de língua inglesa. A partir de seus escritos, Florence Onyebuchi “Buchi” Emecheta comprometeu-se em corrigir os estereótipos da mulher nigeriana e africana, expondo sua realidade diária e a opressão das normas sociais. Sua obra questiona, entre outros temas, a educação da mulher, a valorização da maternidade como única preocupação possível, a violência degradante do colonialismo e a cultura que deslegitima sua autonomia.

Buchi Emecheta nasceu em 1944 na cidade yoruba de Lagos, mas foi na terra natal de seus pais, Ibuza, onde ela passou boa parte da infância. Alice Ogbanje Emecheta e Jeremy Nwabudike Emecheta, que foram buscar trabalho em Lagos, faziam questão de cultivar em Buchi e em seu irmão as raízes igbo.

Uma das paixões da menina era ouvir histórias dos mais velhos. Em Lagos, conheceu bons contadores, mas, para ela, a maneira igbo era diferente. Cresceu ouvindo a tia, a quem chamava de Grande Mãe – as contadoras, seguindo a tradição local, eram sempre mães de alguém. Buchi costumava sentar “por horas a seus pés, hipnotizada pela sua voz de transe”, deleitando-se com as proezas de seus ancestrais. As visitas a Ibuza, aliadas ao prazer e ao conhecimento obtidos com as narrativas, trouxeram a Emecheta a certeza de que seria, também, uma contadora de histórias.

Durante a infância, seu irmão, privilegiado por ser menino, foi para a escola, enquanto Buchi ficou em casa. Mais tarde, após diversos e insistentes pedidos, foi matriculada em uma escola missionária para meninas, onde aprendeu línguas nativas e o inglês – seu quarto idioma.

Apesar dessa conquista e do prazer de visitar Ibuza, Buchi Emecheta viveu uma infância dura. No entanto, a pobreza e a subnutrição que assolaram boa parte de seus anos de juventude, somadas à perda precoce de seu pai – tinha apenas oito anos –, não lhe diminuíram a vontade de viver: um desejo intenso que nunca a abandonaria.

Em 1954, recebeu uma bolsa de estudos em uma escola de elite, em Lagos. Durante esse período, a mãe de Emecheta faleceu, e ela foi passada de um parente distante para outro. No período de recesso dos estudos, enquanto suas colegas voltavam para as confortáveis casas das famílias, ela permanecia no dormitório da escola, encontrando abrigo nos livros e na imaginação. A volta das férias era seu momento de brilhar, maravilhando as colegas com histórias sobre suas supostas aventuras.

Aos 11 anos, ela conheceu e se tornou noiva do estudante Sylvester Onwordi; aos 16, eles já estavam casados. Logo nos primeiros anos, nasceram dois filhos – chegariam a cinco no total. A família mudou-se para Londres, onde Onwordi entrou para a universidade.

Emecheta viveu um casamento infeliz e, não raro, abusivo e violento. Quando começou a escrever em seu tempo livre, chegando ao rascunho de um romance, viu Onwordi queimar os textos, consumido por um absurdo sentimento de posse e ameaçado pela força de vontade da esposa e seu desejo de conquistar uma graduação e tornar-se escritora. Aos 22 anos, Buchi consumou o divórcio, no entanto, Onwordi renegou a paternidade. Sem dinheiro, em um país estranho a ela e com seus cinco filhos para cuidar, manteve-se com obstinação e trabalhou em lugares como a Biblioteca de Londres, enquanto estudava à noite. Em 1974, estava graduada em Sociologia.

A graduação e os pequenos trabalhos eram movidos, desde o princípio, pela vontade de escrever, aprimorar seu inglês e sua comunicação com o resto do mundo. Depois de diversas rejeições, recebeu uma oportunidade como colunista no periódico inglês New statesman, onde escreveu sobre experiências pessoais. Os textos tornaram-se a base do primeiro livro, In the ditch [Na vala] (1972). Dois anos depois, publicou Second-class citizen [Cidadão de segunda classe]. Enquanto os dois primeiros romances de Emecheta são de caráter autobiográfico com alguns elementos ficcionais, as obras subsequentes apresentam um tom de resgate histórico, tendo como cenário a Nigéria igbo colonial do início do século XX, a África que sua mãe conheceu.

The bride price [O preço da noiva] (1976) foi escrito pouco antes de sua mudança para New Jersey, nos Estados Unidos, onde trabalhou como assistente social. Reconstrução do manuscrito destruído pelo ex-marido, a obra relata a história de uma mulher que desafia os costumes de sua tribo ao casar-se com um homem que não pertence à mesma classe social que ela. The slave girl [A pequena escrava] (1977), uma denúncia à opressão patriarcal sobre as mulheres e seus corpos, tem como protagonista uma menina órfã vendida pelos irmãos para um parente distante.

Emecheta manifestava, em textos diversos, sua necessidade de se comunicar e de atenuar angústias com páginas escritas. É natural imaginar, portanto, sua reação ao descobrir que uma de suas filhas iria morar com o pai, Onwordi. Devastada, escreveu em seguida seu livro de maior repercussão e recepção positiva ao redor do mundo: As alegrias da maternidade (1979), título abertamente irônico, que recebeu sua primeira tradução para o português na edição da TAG enviada aos associados do clube em outubro de 2017, sendo ao mesmo tempo a primeira obra de Emecheta editada no Brasil.

Tendo como cenário a mesma Nigéria colonial da primeira metade do século XX, a obra narra a trajetória de uma jovem igbo, Nnu Ego, cujas escolhas serão guiadas pelo que é esperado de uma mulher em seu contexto social: ser mãe. Depois de casada, Nnu Ego percebe que não consegue gerar filhos, uma das maiores decepções e desgraças para uma mulher de sua cultura. Seus sofrimentos não parecem terminar quando ela finalmente consegue dar à luz. As condições para sustentar os filhos vão se mostrando cada vez mais precárias, ao mesmo tempo em que a vida em Lagos, sua nova e urbanizada terra de moradia, impõe-lhe uma adaptação para a qual não se sente preparada. Sua vida é diretamente atingida pelas influências da cultura do colonizador inglês, transformando os valores tradicionais de sua terra de origem.

Os percalços vividos por Nnu Ego refletem uma cultura de violenta opressão patriarcal e colonial. Buchi Emecheta explicita em sua obra a prisão em que vive a mulher da Nigéria e sua clara posição de subordinação ao homem, tanto o nigeriano quanto o europeu, com relações de poder diferentes, mas sempre inferiorizada.

Depois da publicação de As alegrias da maternidade, a autora escreveu diversos outros romances, com destaque para Destination Biafra (1982), o primeiro a apresentar a perspectiva de uma mulher sobre a Guerra Civil Nigeriana. Aventurou-se, também, no universo infantojuvenil, em projetos para televisão e em uma autobiografia – que inclui, entre outras histórias, as origens de As alegrias da maternidade. Em toda a sua carreira, dentro e fora dos livros, mostrou preocupação com a educação e empoderamento da mulher.

Em janeiro de 2017, aos 72 anos e debilitada pela demência, Emecheta faleceu. Sua obra expandiu as representações da mulher africana ao redor do mundo, estabelecendo-a como uma das melhores contadoras de histórias de seu tempo. “Existem milhões de mulheres africanas que nunca deixam suas casas, nunca deixam seus vilarejos; esposas em vilarejos continuam na escravidão. Quanto aos meus livros, eles podem ser positivos, ou podem ser negativos. Mas eu acredito que se você cria uma heroína, seja africana ou europeia, com educação – não necessariamente com dinheiro, mas educação – ela ganha a confiança para poder lidar com o mundo moderno”.

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