No mês da mulher, enviamos aos associados da TAG Inéditos uma história deliciosa da autora portuguesa Filipa Fonseca Silva, o livro E se eu morrer amanhã? Graduada em Comunicação, Filipa ingressou na faculdade pensando em ser jornalista, mas seu interesse pela área criativa a levou para a publicidade. Foram 15 anos trabalhando em agências de propaganda. Em 2011, a portuguesa publicou seu primeiro livro, Os 30 – nada é como sonhamos. A edição em inglês da obra alcançou o Top 100 da Amazon.
Seu livro mais recente, Admirável mundo verde (2024), é uma distopia futurista em que um grupo de ativistas climáticos toma o poder e instaura uma sociedade totalmente ecológica. Foi durante a escrita dessa narrativa – o maior ponto fora da curva de sua trajetória literária – que Filipa ouviu falar de uma senhora idosa na França que guardava na gaveta uma coleção impressionante de acessórios sexuais. A personagem da vida real deu origem a Helena, protagonista de E se eu morrer amanhã?
No livro, um incêndio doméstico obriga a personagem a deixar sua casa e, nesse contexto, a família se depara com uma caixa recheada de vibradores e até um balanço erótico pendurado no quarto daquela senhora que eles pensavam ser tão pacata. Lançado em 2023, o livro vai virar filme, ainda sem data de estreia.
Na entrevista abaixo, você pode ler o que a própria Filipa tem a dizer sobre a criação de suas histórias, o livro do mês, sua relação com os leitores e com a literatura brasileira.
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SEIS PERGUNTAS PARA FILIPA FONSECA SILVA
1- Como você se tornou escritora? Essa dimensão da criatividade sempre esteve presente na sua vida?
Pode soar estranho, mas penso que me tornei escritora ainda antes de saber ler. Costumava pegar nos livros e, através das ilustrações que via, inventava histórias para contá-las aos meus bonecos, que dispunha no chão do quarto. Assim que aprendi a ler e a escrever, foi como se tivesse, finalmente, encontrado a minha forma natural de expressão. Sempre escrevi: contos, diários, poemas, histórias infantis, muitas crónicas, num blog que tenho desde 2003, até à publicação do primeiro romance em 2011.
2- Seu primeiro livro é um retrato de um grupo de amigos na casa dos trinta anos, e fala de aspectos compartilhados dessa idade. Já E se eu morrer amanhã? é uma narrativa com reflexões fundamentais sobre a velhice. Em que sentido a sua relação com a passagem do tempo se reflete nos temas da sua escrita?
Não sei se será tanto a minha relação com a passagem do tempo, mas antes com fases que considero determinantes na vida de qualquer pessoa. A chegada à vida adulta no primeiro, o envelhecimento em E se eu morrer amanhã?. São fases em que reflectimos sobre aquilo que já fizemos e aquilo que ainda nos falta fazer.
Desde os meus 14 anos, quando o meu avô morreu, tenho esta consciência muito vincada de que tudo pode terminar de repente e de que o nosso tempo na Terra não é assim tanto. Também num outro livro, O Elevador, uma das personagens principais vive numa ansiedade de querer viver tudo, sem desperdiçar um minuto. Então, talvez tenha esta faceta um pouco existencialista na minha escrita, de inventar histórias que despertem o leitor para a importância de dar sentido à vida e vivê-la com paixão.
3- Helena é uma protagonista muito original e carismática. Como essa personagem ganhou vida?
A Helena foi inspirada numa pessoa real, que vive algures em França. Uma amiga falou-me desta senhora que aos 86 anos ainda tinha uma vida sexual e social muito activa, e isso colocou-me perante o meu próprio preconceito: eu nunca tinha reflectido sobre a sexualidade na velhice. Então, decidi investigar e descobri que existe todo um universo de pessoas idosas cheias de vida e projectos, e que ninguém fala sobre o assunto. Quase como se fosse um tabu. Mesmo essas pessoas activas, parecem ter vergonha de assumir que ainda querem ter uma vida sexual, que ainda querem ter um papel na sociedade.
Senti que estava na hora de mudar isso. Quis trazer para a literatura uma protagonista idosa, mas que não fosse retratada como alguém frágil, doente, ou que sofre de solidão. Uma protagonista que fosse o contrário de tudo isto, e que pudesse começar a derrubar o muro de vergonha e preconceito que ainda se ergue perante estes assuntos.
4- A relação entre Helena e sua neta Mafalda se transforma de um jeito muito especial ao longo da história, em um encontro transgeracional que mostra que os tabus que temos em relação ao sexo estão longe de ser exclusividade de pessoas mais velhas. De que forma a literatura pode contribuir com um diálogo mais aberto sobre esse tema?
Para mim, um dos principais papéis da literatura, e da arte em geral, é precisamente iniciar um diálogo sobre temas incómodos ou sensíveis. É colocar o leitor perante experiências diferentes da sua e, com isso, criar mais empatia e fazer com que pense sobre coisas que poderiam passar-lhe ao lado. E, por certo, a liberdade sexual das mulheres, sobretudo das mulheres mais velhas, ainda é algo que passa ao lado de muita gente. Espero que este livro contribua para mudar um pouco isso.
5- A história de Helena toca em um assunto que não é muito disseminado na literatura e no debate público de maneira geral. Como tem sido a recepção do seu livro por leitores idosos?
Tem sido excepcional! A quantidade de mulheres mais velhas que me têm agradecido por ter escrito este livro é surpreendente. E homens também. Consideram-no muito necessário para combater o idadismo. Aliás, a minha avó, que tem 92 anos, e que, tal como tantas mulheres da sua geração, teve uma vida de casada muito parecida com a da Helena, disse-me que de todos os meus livros, este é de longe o seu preferido.
6- Seu livro será enviado pela TAG para milhares de brasileiros, que vão ler essa narrativa no português original. É o mesmo idioma, mas ao mesmo tempo não é exatamente o mesmo – o que pessoalmente eu acho encantador. Você lê literatura brasileira? Como é sua relação com essas particularidades da língua portuguesa de diferentes países?
Leio, sim. Na verdade, alguns dos livros que mais me marcaram na vida são de autores brasileiros e, recentemente, tenho descoberto várias autoras contemporâneas como a Socorro Acioli ou a Eliana Alves Cruz. Também sou muito fã da poesia, e apaixonada pelo Chico Buarque em todos os géneros que ele escreve. Adoro precisamente essas particularidades da lusofonia, que tanto nos enriquecem. É maravilhoso descobrir novas palavras e expressões. Mesmo dentro do Brasil, tenho amigos de São Paulo, do Rio, de Floripa, e todos usam expressões diferentes que adoro conhecer. E é por isso que sou contra o acordo ortográfico, que veio tentar uniformizar uma língua que, felizmente, é rica demais para ser uniformizada. Prefiro-a assim, solta e livre.
A ESTANTE DE FILIPA FONSECA SILVA
Primeiro livro que li: Rosa minha irmã Rosa, Alice Vieira
Livro que estou lendo: Eu sou a minha poesia, Maria Teresa Horta
Livro que mudou minha vida: Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago
Livro que eu gostaria de ter escrito: Alice no país das Maravilhas, Lewis Carroll
Último livro que me fez chorar: Atos humanos, Han Kang
Último livro que me fez rir: Cartas da Terra, Mark Twain
Livro que não consegui terminar: Ulisses, James Joyce
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