Joe Hill: “Minhas histórias favoritas são tochas. Eu as uso para explorar os cantos escuros da minha imaginação”
Conversamos por e-mail com Joe Hill, o autor do livro de julho da TAG Inéditos. Na entrevista, ele conta como as obras que leu ressoam em seu trabalho, sobre sua experiência no cinema e sobre como o terror pode nos inspirar em tempos cada vez mais inóspitos.
TAG – Em dois dos contos de Carrossel sombrio, você divide a autoria com Stephen King. Como foi a logística desse trabalho? Quem pensou em quê?
Joe Hill – Em 2007, eu fui convidado a escrever um conto para uma antologia em homenagem a Richard Matheson, o autor que nos trouxe obras-primas como O incrível homem que encolheu e Eu sou a lenda. Eu tinha uma afeição especial por “Duel”, um conto passado nos anos 1970 sobre um homem desesperado em fuga de um caminhoneiro homicida sem rosto. É uma ótima novella, mas também foi a base do primeiro filme de Stephen Spielberg… um filme que eu e meu pai sempre amamos.
Quase imediatamente, fui capturado por uma ideia que reinventaria aquele conto. Eu queria escrever uma história sobre uma gangue de motociclistas fora da lei indo para a guerra contra um caminhoneiro misterioso, sem rosto, no meio do deserto do Arizona. Havia um problema apenas: naquela época, eu não tinha a habilitação para pilotar uma motocicleta e não sabia muito sobre motociclismo. Mas meu pai pilota uma Harley desde antes de eu nascer… e, quando eu pensei sobre nosso amor compartilhado pelo filme de Spielberg, pareceu natural perguntar para ele se ele queria escrever a história comigo. Ainda sou grato por ele ter dito sim.
“Campo do medo” foi algo desenvolvido de uma maneira completamente distinta. Eu voei para a Flórida em certo ponto de 2012, por aí, para visitar minha família e passar alguns dias no sol. Meu pai me buscou no aeroporto, tarde da noite. Eu estava com fome, ele estava com fome, então nós paramos para comer em um restaurante de panquecas 24 horas. Enquanto conversávamos, descobri que ele havia recém terminado um projeto muito longo. Eu também havia terminado um projeto muito longo. Estávamos soltos, procurando por algo para nos ocupar. Então ele disse: “por que não escrevemos um conto juntos?”, e passamos cerca de vinte minutos trocando ideias. Quando saímos do restaurante, tínhamos as barrigas cheias e uma ideia de conto.
Eu escrevia durante a manhã e depois mandava minhas páginas para ele. Ele revisava meu trabalho, adicionava algumas páginas, e mandava o arquivo de volta para mim. No outro dia, eu me sintonizava àquilo que ele tinha escrito e depois começava uma nova cena. Levou uma semana.
As histórias em Carrossel sombrio fazem muitas referências a outros trabalhos da literatura e do cinema. Para mim, encontrar pequenas referências ao longo do caminho foi um bônus. Como funciona criar histórias com as faíscas de outras histórias, de outras pessoas?
Sinto que quase tudo o que eu escrevi conversa com os escritores e com as histórias que enriqueceram minha vida interior. Então “Carrossel sombrio”, o conto, é um tipo de meditação sobre Algo sinistro vem por aí, de Ray Bradbury, e “Às margens prateadas do lago Champlain” funciona como uma resposta a “The foghorn”, conto também de Bradbury. Pensei sobre o guarda-roupa da C.S. Lewis quase todos os dias da minha vida. Então era natural que algum dia eu fosse escrever uma história que lutasse com a influência de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa… que foi como eu acabei com “Fauno”.
Minhas histórias favoritas são tochas. Eu as uso para explorar os cantos escuros da minha imaginação.
Muitos escritores parecem mais confortáveis ao escrever histórias no passado ou no futuro, em qualquer tempo que não o presente. No entanto, nos contos de Carrossel sombrio, o cotidiano de 2020 está quase sempre presente, como se o absurdo e o chocante tivessem encontrado o caminho até a realidade. Essa foi uma escolha consciente? E como isso funciona quando você pensa em uma história?
Essa é uma afirmação impressionante. Algumas das histórias de Carrossel sombrio estão no passado – “O diabo na escadaria” vem à mente – e outras nos atiram para o futuro (“Tudo o que me importa é você”). Mas eu concordo: no final das contas, todos os contos são exames das coisas que nos assustam agora, aqui nos nossos tempos assolados pela praga e enlouquecidos pela mídia. Mas como você pode não escrever sobre a era em que vive? Se a ficção não comentar de algum modo as lutas e as preocupações do cotidiano, elas não seriam úteis a ninguém.
Alguns de seus trabalhos foram adaptados para as telas. “Às margens prateadas do lago Champlain” apareceu na série Creepshow, da Shudder. Considerando que o Creepshow original foi decisivo para que você se interessasse e criasse suas histórias de horror, isso tudo não dá uma sensação de círculo fechado? Como você se sente ao ter suas histórias transformadas em filmes ou séries?
Pois então… é um fato estranho que eu tenha aparecido no Creepshow original, de George A. Romero. Eu era o menininho que usa um boneco vodu para se vingar do pai abusivo. Falo sobre isso na introdução a Carrossel sombrio: passei meu tempo inteiro no set com Tom Savini, mestre dos efeitos especiais nojentões, que criou os momentos mais sangrentos de Madrugada dos mortos e Sexta-feira 13. Tom foi meu primeiro rockstar: achava ele o cara mais legal que já havia conhecido, e, quando terminei o trabalho em Creepshow, eu sabia o que queria fazer quando crescesse. Queria assassinar pessoas de maneiras inventivas e inesquecíveis, dar vida a monstros grotescos, que nem ele. E foi, na verdade, o que acabei fazendo. Eu só faço isso no papel, em vez de trabalhar com látex e sangue falso.
Tom e eu revivemos nossa amizade há alguns anos e foi uma alegria descobrir que minha primeira impressão dele estava correta. Quando eu o conheci, quando era uma criança, ele me pareceu gentil, curioso, sagaz e extremamente imaginativo. E acontece que tudo isso é verdade! Ele É um rockstar.
Eu tive a sorte de ter algumas histórias adaptadas para filme ou TV. Mas foi particularmente emocionante receber uma ligação de Greg Nicotereo (o gorehound por trás de Walking Dead e um protegido do próprio Tom Savini) para ouvir que ele queria “Às margens prateadas do lago Champlain” para a nova série Creepshow. O melhor de tudo? Ele contratou Tom Savini para dirigir. E Tom foi com tudo: é um episódio maravilhoso.
Vivemos em tempos terríveis. Não só as redes sociais se tornaram veículo para a ascensão de ideais totalitários, agora tempos a pandemia do novo coronavírus. Isso tudo afetou a sua escrita? E mais, como é escrever horror em tempos horrendos – qual é o papel do horror em momentos assim?
O terror ajuda, não por dizer que monstros são reais, mas porque nos diz que monstros podem ser derrotados (isso é quase uma citação de C.S. Lewis… como falei antes, minhas influências estão sempre sussurrando em meus ouvidos). O mundo moderno é um lugar estressante. As redes sociais são um misto de culto, vingança e estridência. A lei está sofrendo o certo de populistas que caçoam do conhecimento e desdenham da decência social básica. Um dos nossos pesadelos mais antigos, a praga, retornou na forma do Covid-19.
Os humanos desejam a habilidade de manejar seus medos… de afastar as sombras. Nós lemos e amamos ficção científica porque ela nos lembra de que, se formos bravos e confiarmos uns nos outros, permanecendo fiéis a nossos ideais, podemos atravessar a noite até o amanhecer.
Por último, gostaria de convidá-lo a deixar uma mensagem aos assinantes da TAG que encontrarão as histórias de Carrossel sombrio pela primeira vez. É tudo com você!
Muito obrigado por dar uma chance ao meu livro de contos estranhos e sinistros. Espero que você se assuste, que grite, uma vez ou duas, e que ria algumas vezes também. Mantenha Carrossel sombrio por perto… se houver algo embaixo da sua cama, você já tem algo com o que lhe dar um safanão!
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Entrevista: Igor Natusch
Tradução: Fernanda Grabauska
Tag SENSACIONAL como sempre, me apaixono cada vez mais pela dedicação de vocês e pelas surpresas, MUITO OBRIGADA 🌹
Acrescentou muito essa entrevista para a leitura do livro 👏🏻 A melhor assinatura que eu fiz no meu 2020 🥰
Adorei a maneira como o Joe Hill reverencia as referências que fizeram parte de sua formação como escritor. Grande inspiração!
Excelente entrevista. Joe Hill chegou com tudo no Brasil. Quando comecei a ler ficção e terror, encontrar obras do King era muito mais difícil e caro do que hoje e é muito legal ver que, entre dezenas de livros do pai, tenho cá comigo 4 do filho. O cara via longe…