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Entrevista: Jhumpa Lahiri e “Afirma Pereira”

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“A tradução se tornou um componente essencial da minha nova identidade literária.”

A escrita de Jhumpa Lahiri, curadora de agosto da TAG Curadoria, mostra o ser humano removido da segurança do pertencimento.

A ficha desse “ser estrangeiro” cai de uma forma diferente para cada personagem. Ashima, mãe de Gógol em O xará, descreve o sentimento como uma espécie de gravidez eterna – “uma espera perpétua, um fardo constante, um sentimento contínuo de indisposição”. Nesse romance, enviado pela TAG em setembro de 2018, é possível enxergar com os olhos de Gógol: entre Estados Unidos e Índia, ele não está inserido em cultura alguma. Está deslocado em todas. Um pouco da experiência da escritora, mas aparentemente não mais.

Filha de pais indianos, nascida na Grã-Bretanha e criada nos Estados Unidos, Lahiri fincou-se entre o primeiro escalão da literatura com histórias de novos lugares e realidades distintas. Até que decidiu se aventurar em um novo país, em um novo continente, em um novo idioma. Em 2011, a escritora foi viver com a família em Roma, cativada pelo desejo de vivenciar o italiano. Viveu lá por alguns anos, lançando dois romances no idioma e assumindo, na volta aos Estados Unidos, o posto de professora no programa de escrita criativa em Princeton. Nesta entrevista, concedida por e-mail, a autora fala sobre seu desejo de viver novos idiomas e sobre sua leitura de Antonio Tabucchi – que, como ela, buscou viver novas realidades para tornar mais plena sua literatura.

TAG — Primeiro eu gostaria de perguntar se você sabe que é a única autora a ter dois livros enviados no nosso clube (O xará e Intérprete de males). Como você se sente de ser uma das autoras mais amadas na TAG?

Jhumpa Lahiri — Fico honrada! Ambos os livros orbitam cenários similares, então espero que a discussão tenha rendido frutos.

A sua literatura muitas vezes mostra as particularidades da humanidade em diferentes cenários. O que você observa em outras pessoas? Como isso se transforma em literatura?

Não procuro por nada em particular. Eu simplesmente olho. E então alguns detalhes ficam comigo e entram nas histórias.

“Aprender uma nova linguagem fornece distância da própria cultura e de seu ponto de vista.”

Por que a escolha de Afirma Pereira para nossos associados?

Eu amo a escrita de Tabucchi e sou inspirada pelo exemplo dele de escrever em um segundo idioma. Ele sempre é experimental, sempre subversivo e sempre cativante. Esse romance se passa em uma cidade pela qual ele se apaixonou, a sua Lisboa adotada. É um retrato magistral da vida interna de um homem e de um momento preciso da história. Eu amo a ironia e a energia das frases. Admiro romances com um arco temporal bem amarrado. O detalhe do protagonista limpando os lábios com uma folha de papel é inesquecível.

Kit de agosto/2020 da TAG Curadoria
Kit de agosto/2020 da TAG Curadoria

Sobre seres humanos e seus cenários, você mergulhou no idioma italiano e viveu em Roma por bastante tempo. Você inclusive se aventurou na tradução com Laços, de Domenico Starnone. Como foi isso?

A tradução se tornou um componente essencial da minha nova identidade literária. Isso me mantém enraizada no italiano quando não posso estar vivendo na Itália, e sempre me traz mais para perto do inglês. A tradução me apresenta a novas abordagens no contar de histórias e me inspira a escrever de modos diferentes.

Em entrevistas, você fala bastante sobre querer ser livre para escrever em qualquer idioma. Como vai esse projeto?

Sempre tive vontade de aprender novos idiomas, mas aprender italiano teve um impacto radical, definitivo, mudando a maneira que eu vivo, penso, leio e escrevo. Aprender uma nova linguagem fornece distância da própria cultura e de seu ponto de vista e, assim, uma nova perspectiva. A tradutora Frederika Randall, que morreu recentemente, se refere ao processo como “aprender uma nova gramática de ser”.

O que você diria a quem vai ler Afirma Pereira pela primeira vez?

Reflita sobre as experiências de um personagem que é profundamente solitário e profundamente atento ao mundo a seu redor.

A estante de Jhumpa Lahiri

O último livro que li foi: não consigo lembrar. Literatura infantil, desnecessário dizer.

O livro que estou lendo: Caniços ao vento, de Grazia Deledda

O livro que eu gostaria de ter escrito: qualquer um de Clarice Lispector.

O último livro que me fez chorar: sempre choro quando leio Os mortos, de Joyce.

O último livro que me fez rir: no momento, estou traduzindo outro romance de Domenico Starnone, e às vezes rio enquanto o traduzo.

O livro que eu não consegui terminar: novamente, há muitos, e eu os abandono por muitas razões, apesar de minhas melhores intenções e muitas vezes sem que isso tenha nada a ver com o livro em si. Por exemplo, eu nunca consegui ler um dicionário do início ao fim!

O livro que eu dou de presente: geralmente dou livros de arte ou de fotografia como presentes.

O livro que mudou a minha vida: houve muitos. Os que vêm à mente agora são a trilogia dos gêmeos de Ágota Kristóf: O caderno, A prova e A terceira mentira (tradução livre, sem edição no português). Shakespeare mudou minha vida, assim como as Metamorfoses de Ovídio.

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