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Entrevista: Rupi Kaur e “Intérprete de males”

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Em setembro, os associados da TAG Curadoria receberam no kit o livro Intérprete de males, de Jhumpa Lahiri, uma indicação de Rupi Kaur ao clube. Nascida em 1992 em Panjabe, Índia, mudou-se ainda criança para Brampton, pequena cidade localizada na região metropolitana de Toronto. A partir de trabalhos com poesia acompanhada de ilustrações (além de uma produção consistente em outros formatos, como a fotografia), Rupi se tornou um fenômeno de vendas e a principal responsável por popularizar o compartilhamento de poemas nas redes sociais, transformando a relação e a forma de consumo de poesia e abrindo caminho para outros jovens criadores, hoje conhecidos como instapoets. Suas conquistas são históricas e seus números já atingem a marca dos milhões, seja em seguidores nas redes, seja na quantidade de livros vendidos – números que causam assombro no meio literário e que se mostram muito insólitos para quem se dedica majoritariamente à poesia.

Ao falar de temas como amor, trauma, imigração e empoderamento, Rupi se expressa em uma linguagem direta e acessível, incomum para o universo – muitas vezes rebuscado – da poesia. Sua escrita tem como característica a crueza, a expressão do sentimento em matéria bruta, sem espaço para rodeios e ironias: são angústias, histórias e reflexões que, se por vezes encontram olhares desconfiados e críticos por sua simplicidade, atingem o fundo do peito de um grande número de leitoras e leitores que se veem representados – muitos pela primeira vez – em seus versos curtos e potentes.

Leia na íntegra a entrevista exclusiva que Rupi Kaur concedeu à TAG:

TAG – Como foi a entrada da poesia na sua vida?

Rupi Kaur – Na verdade, foram os meus pais que me apresentaram à poesia quando eu ainda era pequena. A poesia é uma parte importante na minha fé (Sikh). Através da poesia e da escrita nós compartilhamos ideias sobre vida e espiritualidade. Então eu cresci discutindo versos de poemas de devoção e interpretando para mim mesma. Aí, mais tarde, na escola, eu estudei poesia. Mas eu não estava necessariamente interessada em poesia naquela época: meu interesse era comunicação. Para mim, aquilo era uma paixão. Como eu poderia compartilhar as minhas ideias com meus amigos e a minha família? Para alguém que era muito tímida, introvertida e que se sentia muito invisível enquanto crescia, porque a comunicação não era algo que era totalmente nutrida na minha casa, eu descobri que escrever permitia que eu me comunicasse em silêncio. Eu encontrei segurança naquilo. Talvez eu não tivesse a coragem para compartilhar as minhas dificuldades com amigos ou família, mas eu podia escrever a eles, e foi isso que eu fiz.

Em 2014, quando estava publicando seu primeiro livro, o Instagram já fazia parte da sua vida. Como foi (e é) receber feedbacks instantâneos nas redes sociais? Como isso afeta o seu modo de criação?

Rupi – Foi ótimo ter aquele feedback instantâneo no Instagram em 2014. Eu estava compartilhando por compartilhar, e não tinha intenção de publicar ou escrever um livro. Na verdade, eu continuei compartilhando porque eu amava o feedback. Eu amava ouvir o que as outras pessoas tinham para dizer sobre elas os temas que eu escrevia. Eu amava iniciar conversas. Para mim, aquilo era o essencial. Eu queria que o os meus escritos desencadeassem diálogos. Contudo, era muito importante não ser afetada por aquilo que as pessoas diziam. Eu não queria que as ideias e os comentários das pessoas fizessem eu mudar os meus escritos de forma alguma. Não queria aceitar críticas e elogios de forma muito séria, porque eu sabia que no fim das contas escrever poesia era uma experiência muito espiritual, divina até. A minha poesia vem até mim de um outro lugar, e esse outro lugar confiou em mim como uma embarcação, então eu preciso honrar isso, bem como os poemas e tópicos que querem surgir. Não quero ignorar a organicidade e substituir isso com poemas que eu acho que vão ser “populares” ou poemas que as pessoas querem ler. Eu não queria fazer o processo de escrita ser “clínico”, e então tive que ser muito cautelosa durante os anos para me certificar que eu continuasse escrevendo o que há de mais honesto para mim, ao invés de aquilo que me dizem que vai fazer mais sucesso.

Você tem uma coleção de poemas bem pessoais que falam sobre temas como sexualidade e menstruação. Como você lida com a exposição e com o fato de que muitos desconhecidos estão acessando uma parte mais íntima sua?

Rupi – Eu acho que apenas ignoro essa parte (risos)! Provavelmente não é uma boa ideia. Mas acho que é tão pessoal que eu me desassociei completamente do fato de que [a minha obra] está espalhada por aí. Ou então não penso muito a respeito. Acho que, se eu pensasse, acharia difícil compartilhar, e compartilhar realmente é o que eu amo fazer. No seu âmago, eu comecei tudo isso por causa do meu desejo de compartilhar e conectar.

Quando lemos seus poemas, sentimos que você tem um olhar muito sensível para minorias e outsiders. Como ter ascendência indiana e ser filha de imigrantes contribuiu para a escolha temática na hora de escrever poemas?

Rupi – Sim, eu sou uma outsider. O meu pai é um refugiado e eu vim para o Canadá como uma imigrante quando tinha três anos e meio. Eu tenho pele marrom. Fisicamente, sou uma outsider, e isso me deu muita empatia. Ser uma minoria me A indicação do mês 9 ensinou a sair do meu lugar e ver as situações sob diferentes perspectivas. Um grande aspecto sobre o porquê de eu escrever é documentar a minha experiência como imigrante. Os meus filhos não vão saber como é isso, e a experiência é dolorosa e bela ao mesmo tempo, então é meu trabalho registrar isso. A minha cultura e a minha herança informam muito sobre o que eu escrevo e desenho. É importante para mim nunca esquecer e passar isso adiante para a próxima geração, porque é realmente tudo o que nos resta sobre a terra que nós deixamos para trás.

“Um grande aspecto sobre o porquê de eu escrever é documentar a minha experiência como imigrante. […] É realmente tudo o que nos resta sobre a terra que nós deixamos para trás.”

O seu primeiro livro sofreu rejeição por parte de algumas editoras e você decidiu publicá-lo de forma independente. Como foi esse processo?

Rupi – Sabe que o processo foi bem divertido para mim? Pareceu como um projeto de artes criativas e construção da escrita e foi uma distração bacana das aulas. Eu estava no meu último ano da universidade naquela época e então, quando separava um tempo para trabalhar em Outros jeitos de usar a boca, foi um prazer que eu me permiti ter. Foi desafiador? Sim. Mas nada que valha a pena ter vem de maneira fácil. Eu tive que aprender uma nova habilidade: em poucos dias eu aprendi como diagramar um livro inteiro no InDesign, um programa que eu nunca havia usado antes, e, então, eu tive que fazer funcionar todo o meu conhecimento sobre marketing e publicidade. Então foi divertido. Mas eu sou esse tipo de pessoa: amo criatividade. Amo brincar com isso. É quando eu me sinto mais inteira e completa: quando estou em contato com a minha alma criativa.

Estando tão inserida no contexto das redes sociais como ferramenta de promoção literária, como você enxerga as possibilidades que a internet traz ao mundo editorial?

Rupi – Eu acho que a internet mudou totalmente o mundo editorial. A internet decide quem é que consegue fechar acordos de livros ou não. Todavia, eu não sei se isso é necessariamente uma coisa boa. Mas o bom é que as pessoas que nunca conseguiriam se sentar à mesa agora têm uma cadeira. Sem a internet, não tenho certeza se uma editora algum dia teria me escolhido. Eu não tinha contatos na indústria. Vim de um lar de trabalhadores com pouco dinheiro, e eu era uma jovem garota de pele marrom, e nós somos muito pouco representadas. Contudo, eu tive a minha chance por causa da internet. Porque eu podia fazer ter contas gratuitas no Tumblr ou no Instagram e compartilhar o meu trabalho e a minha esperança para o melhor. Foi assim que os meus leitores me encontraram e fizeram todas essas coisas incríveis acontecerem.

“Eu sinto que nada do que eu escrevo realmente é “corajoso” ou “disruptivo” porque estes são apenas pensamentos e ideias que eu tive durante toda a minha vida. […] Isso mostra quanto trabalho nós ainda temos em empoderar mulheres e minorias. O patriarcado e a misoginia mantiveram a mulher quieta pelo mundo por tempo demais.”

Muitos enxergam os seus poemas como sendo “corajosos”, “disruptivos” ou “femininos”, mas você discorda, considerando os seus conteúdos muito naturais. Como o fato de ser mulher se tornou algo tão perigoso e delicado na nossa sociedade?

Rupi – Exato! Sinto que nada do que eu escrevo realmente é “corajoso” ou “disruptivo” porque estes são apenas pensamentos e ideias que eu tive durante toda a minha vida. É só o que deveria ser. Mas, se o pessoal acha que minhas ideias são corajosas, isso mostra o quão desigual o nosso mundo é. Isso mostra quanto trabalho nós ainda temos em empoderar mulheres e minorias. O patriarcado e a misoginia mantiveram a mulher quieta pelo mundo por tempo demais. Nós estamos lutando mais do que nunca e eu acho que os poderosos estão assustados, porque nós somos um perigo a eles, porque nós estamos pedindo para que eles compartilhem o seu poder. E nós não vamos parar de lutar até que o mundo seja um lugar mais igualitário.

Além de Intérprete de males você também indicou à TAG outro livro de Jhumpa Lahiri, O xará. Quais aspectos na literatura de Jhumpa chamaram sua atenção?

Rupi – Era raro encontrar um livro escrito por uma mulher sul-asiática durante a minha juventude no Canadá. Eu amo ler e durante toda a minha vida li livros sobre personagens que eu amava, mas que não eram parecidos comigo. Mas tudo mudou quando li a Jhumpa. Ler suas obras foi uma experiência emocional. Os livros dela são principalmente sobre a comunidade Bengali e eu sou Punjabi, mas ainda era perto o suficiente da minha casa para que eu pudesse me identificar. Ela documenta muito bem a experiência do imigrante. Como uma imigrante do Sul Asiático, eu conseguia me identificar 100% com a sua dor e o seu sofrimento. Estas eram emoções que a minha mãe sentia, apesar de não ter palavras para se expressar. Jhumpa é uma escritora brilhante. A prosa dela é poesia lírica.

O que você sentiu ao ler Intérprete de males pela primeira vez? O que diria aos 30.000 associados que lerão o livro pela primeira vez?

Rupi – Quando li Intérprete de males eu me senti vista, ouvida, entendida. Eu estava na beira da cadeira lendo cada história porque não tinha ideia do que aconteceria a seguir. Cada história tem uma reviravolta emocional e destruidora. É bem mágico. Jhumpa é maravilhosa em criar histórias lindamente dolorosas que tomam essas reviravoltas, da mesma forma como acontece na vida real. Frequentemente estamos em situações em que as nossas mentes definem que os resultados vão ser de uma certa forma, mas raramente isso acontece de verdade. É assim que essas histórias fluem. Sirva uma taça de vinho e absorva cada frase.

A estante de Rupi Kaur

O primeiro livro que li: eu era muito jovem, não consigo lembrar!

O livro que estou lendo: Three women, de Lisa Taddeo (inédito no Brasil, a ser publicado pela HarperCollins)

O livro que eu gostaria de ter escrito: A árvore generosa, de Shel Silverstein

O último livro que me fez chorar: Love and Courage, de Jagmeet Singh

O último livro que me fez rir: Estou lendo de novo a série Harry Potter, pela 500ª vez, e estou rindo muito! A sra. Weasley é hilária!

O livro que eu não consegui terminar: Shantaram, de Gregory David Roberts

O livro que eu dou de presente: O profeta, de Khalil Gibran

O livro que mudou a minha vida: Grande magia, de Elizabeth Gilbert

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